sexta-feira, 30 de abril de 2010

STJ reconhece adoção por casal homossexual no RS

Fonte:
http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/
27/04/2010 - 17:58 - Atualizado em 27/04/2010 - 18:56

STJ reconhece adoção por casal homossexual no RS

A união homoafetiva entre duas mulheres foi considerada como uma família, permitindo que duas crianças sejam registradas com os nomes das duas mães
agência estado

Em uma decisão histórica, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu, por unanimidade, a adoção de crianças por um casal homossexual de Bagé (RS). A Justiça gaúcha já havia considerado a união homoafetiva em questão como uma família e autorizado que as duas crianças adotadas fossem registradas com os nomes das duas mães. O Ministério Público Federal do Rio Grande do Sul, no entanto, recorreu da decisão, o que levou o caso ao STJ, em 2006.

“Não se pode supor que o fato dos adotantes serem duas mulheres possa causar algum dano (à formação das crianças), dano ao menor seria a não adoção”, disse o ministro João Otávio de Noronha, presidente da 4ª Turma. Ao criticar a atuação do Ministério Público do Rio Grande do Sul, ele afirmou que o MP devia ter considerado o interesse das crianças.

Segundo ele, o entendimento não era uma preferência a heterossexuais ou homossexuais, e sim para aquilo que “for melhor para as crianças”.

O ministro destacou o fato de esta ser a primeira vez que o STJ julga recurso sobre adoção por casal homossexual. “Nesses casos, há de se entender que o interesse é sempre do menor, e o interesse dos menores diante da melhoria da situação social é a adoção.”


Família nova, lei velha Casais gays em várias partes do mundo têm conseguido registrar os filhos. Alguns, só recorrendo à Justiça


DUAS MÃES

A chef americana Cat Cora (à esq.) já tem dois filhos gerados por sua companheira, Jennifer. Agora, as duas estão grávidas por fertilização in vitro. Apesar de o DNA do segundo filho ser de Cat, ela teve de adotá-lo para ter direitos e deveres legais de mãe sobre ele. “É injusto, mas é a lei”, diz


PAIS GAYS

Um casal de homens de Catanduva, São Paulo, inaugurou a adoção de uma criança por homossexuais no Brasil. Vasco Pedro da Gama Filho e Júnior de Carvalho obtiveram na Justiça autorização para colocar seus nomes na certidão de nascimento da menina Theodora, já com 5 anos, como pais dela, com todos os direitos e deveres de qualquer pai biológico


MÃE AFETIVA

Com a morte da cantora Cássia Eller, em 2001, o filho dela virou assunto nacional. O menino Chicão, então com 9 anos, era órfão de pai e havia sido criado pela mãe junto com outra mulher, Maria Eugênia Vieira Martins. Um acordo entre Maria Eugênia e o pai de Cássia, dez meses depois, deu a ela a tutela definitiva da criança e inaugurou um novo direito entre os gays

Gravidez a duas

As lésbicas Adriana e Munira serão mães biológicas dos mesmos bebês. Os embriões formados com os óvulos de uma delas estão se desenvolvendo na barriga da outra

Doador de sêmen

O casal de moças foi a um banco de sêmen e procurou na ficha de doadores anônimos um que se parecesse com Adriana: pele morena, cabelo encaracolado

Coleta dos óvulos

Munira tomou hormônios injetáveis durante dez dias para estimular a produção de vários óvulos naquele mês. No consultório, o médico extraiu mais de 20 óvulos maduros dos seus ovários

Fertilização

Dois dias depois, o médico retirou os óvulos do corpo de Munira e selecionou cinco. No laboratório, dentro de uma placa de vidro, injetou um espermatozoide do doador anônimo em cada óvulo

Transferência de embriões

Três dias depois, os embriões já estavam prontos para ser transferidos para o útero da mãe. Neste caso, de Adriana. O médico escolheu os três melhores embriões para introduzir nela pela vagina

Gravidez D

Doze dias depois, Adriana fez um exame de sangue e confirmou o sucesso de dois embriões: estava grávida de gêmeos

Um conservador amigo dos gays

Fonte:
Revista Época
04/02/2010 - 15:33 - Atualizado em 05/02/2010 - 18:43

Um conservador amigo dos gays

Republicano convicto, ligado a Reagan e Bush, o advogado Ted Olson causa espanto por defender a legalização do casamento entre homossexuais
Por: juliano machado

Era novembro de 2008 e o diretor de cinema americano Rob Reiner almoçava com sua mulher, Michele, e um consultor democrata chamado Chad Griffin em Beverly Hills. Fazia dez dias que os eleitores da Califórnia haviam aprovado a Proposição 8, um referendo que incluía na Constituição do Estado o seguinte artigo: “Apenas o casamento entre um homem e uma mulher é válido ou reconhecido na Califórnia”.

A emenda derrubava uma decisão anterior da Suprema Corte Estadual, que autorizava o matrimônio entre pessoas do mesmo sexo. Homossexual assumido, Griffin se dizia inconsolável. O casal Reiner, ativista da causa gay, foi então atrás de um advogado renomado que aceitasse entrar com uma ação contra a Proposição 8. Quando uma amiga de Michele lhe sugeriu o nome de Theodore Bevry Olson, a reação foi de indignação: “Ted Olson? Por que eu procuraria esse cara?”.

A surpresa de Michele não era sem razão. Convencer Ted Olson a assumir uma causa dessa parecia uma piada de mau gosto. Aos 69 anos, ele moldou uma imagem de prodígio entre os juristas mais conservadores dos Estados Unidos. Em 1964, foi um dos poucos estudantes de Direito de Berkeley, na Califórnia, a apoiar a derrotada candidatura à Presidência do republicano Barry Goldwater, o “Sr. Conservador”. Nos anos 80, serviu como membro do conselho legal do governo de Ronald Reagan, que lhe deu de presente uma fotografia dos dois com a seguinte inscrição: “Obrigado, de coração”. A fidelidade republicana ficou notória em 2000, quando Olson defendeu George W. Bush na histórica disputa com o democrata Al Gore para saber quem seria o novo presidente americano. Ele convenceu a Suprema Corte a interromper a recontagem de votos na Flórida e pôs Bush na Casa Branca. Como prêmio, ganhou o cargo de procurador-geral, exercido entre 2001 e 2004. Como um homem desses, “o advogado de Bush”, poderia topar dedicar seus esforços a favor do casamento gay, algo que outros conservadores repudiam com todas as forças?

Olson topou, para espanto geral. Em maio passado, tornou-se o representante legal de dois casais gays – as mulheres Kristin Perry e Sandy Stier, que criam quatro filhos, e os homens Paul Katami e Jeffrey Zarrillo. Eles entraram com uma ação numa corte federal contra o governo da Califórnia para derrubar a Proposição 8. O caso ganhou projeção nacional com o nome de Perry versus Schwarzenegger – curiosamente, o governador Arnold Schwarzenegger também é a favor do casamento entre homossexuais. O juiz Vaughn Walker já ouviu acusação e defesa e deverá anunciar sua sentença no mês que vem. A expectativa de Olson é que o caso vá parar na Suprema Corte dentro de dois anos.


CAUSA
Ted Olson em seu escritório, em Washington. No detalhe, Kristin Perry (à esq.) e Sandy Stier, um dos casais gays defendidos por Olson
É evidente que tanto liberais quanto conservadores tentaram encontrar justificativas para a decisão de Olson, que aparentemente estava jogando no lixo todo o seu passado. Alguns de seus colegas republicanos achavam que só poderia haver “perdão” pela suposta traição a seus princípios caso Olson tivesse um homossexual na família – ele não tem. Outros, mais radicais, preferem nem tocar no assunto com o amigo. Do lado democrata e dentro da comunidade gay, há até quem ainda desconfie de sabotagem – Olson teria aceitado o caso para forçar uma derrota em nível federal e enfraquecer a causa. Nada disso.

Alguns republicanos disseram que só um gay na família poderia justificar a “traição” de Olson

Segundo o próprio Olson, não há nenhuma incoerência entre suas convicções legais e o apoio aos gays. Como um conservador, ele diz defender sempre a liberdade do indivíduo e o direito de não sofrer interferência do Estado em sua vida privada. Proibir o casamento gay, portanto, seria um desrespeito a ambos os princípios e a Proposição 8 uma medida inconstitucional. “A Declaração de Independência americana diz que a vida, a liberdade e a busca da felicidade são direitos inalienáveis. Que melhor forma de realizar essa aspiração nacional senão aplicar os mesmos direitos a homens e mulheres que se diferenciam dos outros somente por sua orientação sexual?”, diz Olson em um artigo à revista Newsweek. Para ganhar a simpatia dos liberais, convidou o respeitado advogado David Boies, seu adversário no caso Bush versus Gore e amigo na vida fora dos tribunais, a dividir a causa. Boies aceitou o desafio.

Nesse mesmo texto, Olson diz que até hoje nenhum de seus amigos, entre eles religiosos radicalmente contra o casamento gay, conseguiu lhe expor um argumento razoável para impedir que os homossexuais tenham o mesmo direito de qualquer outro casal. Uns alegam que isso desvaloriza o objetivo da procriação da espécie. Para Olson, o fato de permitir aos gays que se casem não desestimula a união entre heterossexuais e seu provável interesse em ter filhos. Na visão dele, como a homossexualidade não é uma questão de opção, a proibição não vai cumprir um papel de encorajar gays a ter relações heterossexuais. Outro argumento de Olson diz respeito à “aberração” legal criada pela Califórnia depois da Proposição 8, que dividiu os habitantes do Estado em três categorias: héteros, que podem se casar livremente; gays que podem viver juntos em uma “união doméstica”, mas sem direito a casamento; e, por fim, gays que se casaram antes da vitória do referendo e, agora, não podem partir para um segundo matrimônio se quiserem o divórcio.

Dentro de casa, Olson tem o apoio incondicional da advogada Lady Booth, sua quarta mulher – a anterior, Barbara, morreu no avião sequestrado por terroristas que se espatifou no Pentágono em 11 de setembro de 2001, dia do aniversário dele. Sua mãe, Yvonne, ficou preocupada com a repercussão do caso, mas depois consentiu. O problema mesmo será convencer um país em que apenas cinco dos 50 Estados já aprovaram o casamento entre homossexuais. Amigos mais próximos de Olson dizem que ele está empolgado com a causa como se fosse um iniciante e teria dito que é a mais importante de sua carreira. Segundo Paul Katami, um dos gays defendidos por ele, Olson lhe disse para planejar o casamento com Jeffrey Zarrillo daqui a alguns anos. Vinda de um advogado que participou de 56 processos diante da Suprema Corte e venceu 45, essa promessa faz crer que o defensor de maior peso dos gays americanos saiu justamente do ninho inimigo.

Um em cada três gays assume sexualidade antes dos 15 anos

Fonte:
Revista Época
07/01/2010 - 13:43 - Atualizado em 10/01/2010 - 17:48

Um em cada três gays assume sexualidade antes dos 15 anos

Pesquisa realizada pela Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo mostra que metade dos entrevistados já foi vítima de preconceito
Redação Época, com Agência Estado

Um a cada três gays assume sua sexualidade diferente da hetero antes dos 15 anos, segundo pesquisa realizada pela Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo durante a Parada LGBTT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais), em junho do ano passado.

De acordo com a Secretaria, foram ouvidas 211 pessoas entre 10 e 24 anos. Do total, 31,3% disseram ter assumido a sexualidade diferente da hetero entre os 10 e os 14 anos, 62,8% entre 15 e 19 anos e apenas 5,9% após os 20 anos. O estudo mostrou ainda que 71,1% dos entrevistados tinham assumido sua sexualidade diferente da hetero para a mãe. Os que contaram para o pai representaram 56,8% do total.

Entre as pessoas do sexo masculino, 42% responderam que haviam se relacionado sexualmente com mais de 10 parceiros e 19,4%, com cinco a nove parceiros. Já entre as mulheres, 35% informaram terem tido relacionamento com mais de 10 parceiros e 30%, com cinco a nove parceiros.

Metade das pessoas ouvidas relatou ser vítima de preconceito, discriminação ou falta de respeito nos serviços de saúde. Alegaram falta de atenção, descaso ou desinteresse no atendimento 9,95%. Entre os entrevistados do sexo feminino, 61,6% vão ao médico preventivamente e, entre os do sexo masculino, 52,2%.

De acordo com a Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo, um programa específico está sendo desenvolvido para atendimento de adolescentes LGBTT em todo o Estado. Em novembro do ano passado, foi realizada uma grande capacitação para cerca de 800 profissionais de saúde, entre médicos, enfermeiros, psicólogos e dentistas, que trabalham em serviços de saúde voltados a jovens.

"A rede de saúde precisa acolher esses adolescentes e não inibi-los, pois a vulnerabilidade pode fazer com que o jovem adote comportamentos de risco. O acompanhamento médico adequado dos jovens deste grupo pode evitar o surgimento ou agravamento de problemas de saúde", afirma a coordenadora de Saúde do Adolescente da secretaria, Albertina Duarte Takiuti.

Por conta desse programa, a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) convidou a secretaria para colaborar na elaboração de diretrizes que irão nortear o atendimento em saúde de adolescentes e jovens em toda a América Latina.

"As pessoas acham que os gays não têm família"

Fonte:
REVISTA ÉPOCA
09/08/2009 - 11:07 - Atualizado em 09/08/2009 - 11:07

"As pessoas acham que os gays não têm família"

Ben Cartwright luta pelos direitos dos gays nos EUA há 12 anos. Ele fez parte de um documentário que discute a lei que permite aos homossexuais servir o exército, e a situação de seus parceiros
Ricardo F. Santos

ATIVISMO
Cartwright luta para revogar a lei que o faz se esconder

Ben Cartwright, 29, orienta líderes estudantis na Universidade de San Diego, Califórnia, nos EUA. Ele luta pelos direitos gays há doze anos, escreve para um jornal gay local e é parceiro de um membro do exército. O documentário “Silent Partners” (Parceiros silenciados), do qual participa, estreou no mês passado nos EUA, e aborda a questão dos parceiros de militares, que são obrigados a se ocultar parcialmente para não prejudicar seus cônjuges. A primeira frase do filme indica o que acontece se um membro do exército for descoberto: “A pessoa que eu amo pode ser demitida desonrosamente por me amar de volta”.

Cartwright participa de movimentos para revogar a lei “don’t ask, don’t tell” (algo como “não pergunto, não me fale”), aprovada em 1993, nos EUA. A norma permite aos homossexuais servir o exército. Porém, para isso, eles não podem revelar sua sexualidade, porque alega-se que isso poderia “pôr em risco a coesão da unidade”. "Queremos revogar a lei 'don’t ask, don’t tell', e acabar com o banimento dos gays no exército", afirma Cartwright em entrevista a ÉPOCA.

ÉPOCA – Quando você começou a se interessar pelos direitos dos militares gays?Ben Cartwright – Comecei a pensar nisso recentemente, há cerca de quatro anos, principalmente por causa do meu parceiro, que é militar. Ele me fez ver como essa política afeta as pessoas negativamente, e comecei a falar do assunto porque me afeta de maneira direta.

ÉPOCA – Como foi sua participação no documentário? Cartwright – A companhia que fez o filme me contatou por meio das lideranças em San Diego. Eu achei ótimo ter participado, fiquei muito satisfeito de poder estar em um projeto desse. É um documentário realmente poderoso, e desde que foi lançado, foi visto por um bom número de pessoas, vários jornais do país deram notícias sobre ele, e até alguns jornais militares o comentaram.

ÉPOCA – Como foi a reação das pessoas no país? Cartwright – Eu sei que a comunidade gay reagiu muito positivamente ao documentário, por causa do Facebook, do MySpace e essas ferramentas on-line. Tem sido muito fácil às pessoas para assisti-lo, e também comentá-lo, e por esses comentários eu sei que estão gostando. Eu até recebi um e-mail de um membro gay do exército que me agradeceu por ser uma voz por eles, porque obviamente os militares não podem falar disso. Por não estar no exército, por ser um civil, eu posso falar o que quiser, e ser uma voz por eles. É claro que quem apoia os direitos gays apoia o documentário. Mas eu não fiquei sabendo de nenhum mal-estar, não ouvi nenhuma reclamação. Eu queria que as pessoas abrissem os olhos, que pensassem sobre o alcance da [lei] “don’t ask, don’t tell”. Eles sabem que a lei afeta os militares, que têm que ficar quietos sobre quem são, mas não pensam sobre o lado da família. Agora estão pensando “Sim, é verdade, os gays têm família também, que não recebe nenhum daqueles benefícios”. Recebi e-mails de gente zangada com essa política, que não devíamos tê-la. Os Estados Unidos não são o país mais livre do mundo?

ÉPOCA – Quando a lei foi aprovada? Cartwright – Ela foi aprovada em 1993, na gestão de Bill Clinton. E o senador que efetivamente redigiu a lei emitiu uma nota, creio que no ano passado, dizendo que acreditava que a lei era um erro, que ele acha que ela deveria ser revogada. O senador que a escreveu disse “Espera aí, foi um erro que eu cometi 15 anos atrás, precisamos mudar isso”. Até o autor pensa isso da maldita lei.

ÉPOCA – Antes dela, nenhum homossexual podia servir o exército? Cartwright – Exato, sempre foi a política do exército, gays e lésbicas não podem fazer serviço militar. Mas essa ainda é a política vigente, a diferença é que puseram uma cláusula que diz que se você não contar, eles não perguntarão. Mas você ainda não pode servir o exército se você for gay, porque se eles descobrem, você cai fora, pode ter certeza.

Você ainda não pode servir o exército se for gay, porque se eles descobrem, você cai fora.

ÉPOCA – Quando se descobre que alguém é gay, ele enfrenta uma “demissão desonrosa”? Cartwright – Sim, você é demitido desonrosamente. A pessoa normal, que serviu por alguns anos, será demitida honrosamente, recebe medalhas e um certificado. Mas se você é demitido desonrosamente, você basicamente vai pro olho da rua, como se tivesse sido demitido de um trabalho. E se você é demitido, não vai colocar no seu currículo. Você não vai procurar um emprego dizendo “Ah, eu estive no exército mas me mandaram embora”. Isso arruína sua vida, arruína seu currículo.

ÉPOCA – No documentário afirma-se que há aproximadamente 65 mil gays e lésbicas na ativa. Você já viu esse número? Cartwright – Bom, é uma grande suposição, é claro que não existe maneira de saber o número real. Na ativa, creio que há meio milhão de pessoas, um pouco mais. Eu não sei como eles chegaram a esse número, é uma estimativa de quantos gays e lésbicas há no exército... Mas há muitos.

ÉPOCA – Você afirmou no filme que quando algum colega militar do seu parceiro vem buscá-lo em casa, você tem que esconder tudo que diz respeito aos dois, e inclusive se esconder também. Você já passou por alguma situação difícil por isso, já esqueceu alguma coisa? Cartwright – Não, nós nunca fomos pegos. Mas houve uma vez em que um colega dele foi em casa e, eu rio agora, mas eu esqueci de esconder duas fotografias que estavam em cima do piano. Quando me dei conta, comecei a pirar, porque eu tinha ido me esconder na casa de um amigo, e fiquei rezando para o colega dele não notar os retratos. Por sorte, ele não viu as fotos, aliás ele acabou nem entrando no quarto, mas eu fiquei assustado, ligando para o meu namorado, com esperança de que ele atendesse, mas ele não atendia porque estava conversando com seu colega... Por sorte nada aconteceu, mas foi assustador. Eu ter que esconder os retratos na gaveta é ridículo. Só o fato de eu ter de me preocupar se minha foto está visível ou não é uma coisa ridícula.

O fato de eu ter de me preocupar se minha foto está visível ou não é ridículo.

ÉPOCA – Como é a situação hoje dos parceiros de militares gays, como vocês se sentem? No documentário é dito que quando eles vão servir no Iraque ou no Afeganistão, vocês não podem nem ir ao aeroporto despedir-se porque seria arriscado. Cartwright – Sim, sim, seria muito arriscado, porque no exército existe homofobia demais, é incrível o quanto de gente que odeia os gays. E se esses caras, seus amigos, se apenas vissem meu parceiro com alguém como eu... isso levantaria muitas questões para ele. “Por que tem um ‘cara’ com você?” Eu não pareço nada com meu namorado. Ele tem ascendência mexicana, e eu sou branco de ascendência europeia; eu sou loiro, ele tem cabelos pretos. Então se eu fosse me despedir dele, ele não poderia dizer que eu era seu primo ou algo assim. Eu não pareço com ninguém de sua família, isso causaria perguntas, ele seria ridicularizado pelos amigos, seria muito difícil para ele. Então é melhor eu nem estar lá, porque ele não precisará responder a todas essas questões. Enquanto ele está viajando, você tem que tomar muito cuidado com o que diz. Digo, ele é livre para me ligar quando quiser, mas nunca se sabe, porque os militares têm o direito de ouvir qualquer ligação telefônica, e seria bem estranho se ele estivesse conversando com outro homem e dizendo “Eu te amo”. Por isso, começamos a ser muito cautelosos com o que dizíamos ao outro, as conversas pelo telefone tinham que ser... 'sanitarizadas', não podíamos dizer “Eu te amo”, não podíamos abrir nossos sentimentos. Tudo tinha que ser meio autocensurado.

ÉPOCA – Cartas e e-mails podem ser trocados livremente? Cartwright – Sim, podemos trocar isso também, mas, de novo, é tudo autocensurado. Eu não posso mandar um cartão dizendo “Eu te amo”, os militares têm o direito de abrir as cartas. E, sabe, não tem nada de errado nisso, porque eles abrem as cartas por razões de segurança. Mas se eles abrissem suas cartas e vissem "Eu te amo. Com amor, Ben", sabe, meu nome é o nome de um cara. Se fosse lido, ele estaria encrencado. Então, quando eu mando cartas a ele, não coloco meu nome, só coloco a letra B para ele saber que sou eu, e, caso alguém veja, ele possa falar que é alguma Betty ou algo assim. Mas é bem difícil, não dá para expressar os sentimentos do jeito que se quer.

Se abrissem suas cartas e vissem "Eu te amo. Com amor, Ben", ele estaria encrencado.

ÉPOCA – O que vocês estão tentando modificar nos direitos dos militares gays? Cartwright – O que eu e outros ativistas estamos tentando mudar é, basicamente, revogar a lei “don’t ask, don’t tell”, e acabar com o banimento dos gays no exército. Só queremos os plenos direitos que todos têm, queremos que os gays possam servir o exército sem a ameaça de serem descartados por causa do que são. Não existe outro trabalhador nos Estados Unidos a quem é permitido discriminar seus funcionários por sua orientação sexual. Você não pode, nos Estados Unidos, demitir alguém porque esse alguém é gay, não é permitido, é contra a lei. Mas os militares podem fazer isso. Nem no governo federal eles discriminam, eles não podem demitir as pessoas porque são gays. Então o que queremos basicamente é a lei “don’t ask, don’t tell” revogada. Queremos que os gays possam servir o exército abertamente. Nada menos que isso. Essa lei tem um alcance muito maior do que as pessoas imaginam. Eles pensam que é para proteger os gays, mas... Os gays têm família, os gays têm vida, e a lei afeta muitas pessoas além dos membros do exército. E é 2009, os EUA supostamente são o país mais livre do mundo e temos uma política como esta, enquanto outros países não têm. Estamos com esperança de que o presidente Obama realize sua promessa de campanha de derrubar a “don’t ask, don’t tell”, porque quando ele assumiu, ele prometeu isso. Estamos torcendo para que ele mantenha sua palavra por nós.

O melhor destino gay do mundo

Fonte:
Revista Época
06/11/2009 - 22:54 - Atualizado em 06/11/2009 - 22:54

O melhor destino gay do mundo

RUTH DE AQUINO

RUTH DE AQUINO é diretora da sucursal de ÉPOCA no Rio de Janeiro
raquino@edglobo.com.br

O que faz de uma cidade o melhor destino gay do mundo? O Rio de Janeiro ganhou esse título na semana passada, numa eleição entre mais de 100 mil turistas homossexuais estrangeiros – e brasileiros. O critério decisivo é a receptividade. Turistas gays gostam mais das cidades que os recebem bem. Natural. Os héteros e bissexuais, brancos, mulatos e negros também. O ser humano detesta hostilidade e discriminação – por orientação sexual, gênero ou grupo étnico.
Alguns indignados na internet viram o resultado como “primeiro passo para a barbárie, a luxúria” ou “infâmia contra Deus e a família”. Eles não gostaram de saber que moram na cidade mais gay-friendly (amiga dos gays) do mundo. Felizmente, encolhe cada vez mais essa ala que cultiva o ódio à diversidade. Quanto mais homossexuais saírem do armário e conquistarem direitos civis, mais os que detestam gays se tornarão, eles sim, a minoria incorreta.
Se hostilizar negros é racismo punido com prisão, expulsar casal gay de restaurante por demonstração de carinho hoje dá multa ou fecha o estabelecimento. É lei municipal no Rio, criada em 1996 e regulamentada no ano passado. Mas, para fazer valer a lei, é preciso denunciar. Os gays contam com o apoio do governador Sérgio Cabral – ele disse achar “nojento” o preconceito contra pessoas que amam outras do mesmo sexo.

O Rio venceu a disputa com Barcelona, Buenos Aires, Londres, Montreal e Sydney. A eleição foi promovida pelo Logo, canal da MTV, no site TripOutGayTravel.com. Era em inglês, e quem escolheu foi o turista gay de fora, aquele que gasta o pink money (dinheiro rosa) cada vez mais cobiçado. Gays viajam mais, gastam mais por não ter filhos e têm mais tempo para se divertir.
Os números são espantosos. Segundo uma pesquisa encomendada pela prefeitura a uma universidade, os turistas LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transexuais) permanecem no Rio um tempo 60% superior aos héteros e gastam, em média, o dobro de um turista convencional. Pela pesquisa, 97% dos estrangeiros gays pretendiam voltar ao Rio – uma consagração.
Por que a preferência pelo Rio? “Nosso lifestyle e a profusão de homens sexy”, me disse Carlos Tufvesson

E por que essa preferência? O estilista Carlos Tufvesson, casado há 15 anos com o arquiteto André Piva, me deu algumas razões: “A beleza da cidade, nosso charmoso lifestyle, a informalidade, poder andar de bermuda num centro cosmopolita. No verão do Rio, quem está de férias vai à praia sem ter ideia de onde e como vai terminar o dia, porque os programas surgem naturalmente. É fácil fazer amizade, o carioca é mais aberto, todo mundo tem amigos gays. E o Rio tem a maior profusão de homens sexy por metro de calçadão. Dá gosto ver a ginga e seu doce balanço a caminho do mar”.

Conversei também com a jornalista Daniela Barbi, que há sete meses vive com outra moça. “O carioca dá papo, indica os bares da moda para quem está acompanhado e sozinho. O turista gay vem por causa da simpatia e porque não sofre constrangimento. Tem sua praia com as bandeiras arco-íris e se sente normal. As lésbicas são um grupo mais fechado, mais discreto. Só em alguns lugares da Zona Sul vemos moças de mãos dadas. E são, sim, muito mais bonitas no Rio do que lá fora.”

Estive no mês passado em São Francisco, nos Estados Unidos. Não conhecia a cidade. Fiquei mais curiosa depois de ver Milk, o filme sobre o primeiro político americano a se eleger como homossexual (Harvey Milk, assassinado em 1978) e que rendeu um Oscar a Sean Penn. Fui ao bairro gay, o Castro. Era domingo de Carnaval. Eu me senti entrando num gueto homo – havia pouquíssimos héteros. Casais de lésbicas eram raros. Por ter enfrentado hostilidade e homofobia durante tanto tempo, uma parcela de homossexuais talvez se sinta impelida a ostentar seu orgulho ou a demonstrar uma alegria exagerada ou artificial. Persiste o desejo de afirmação, o Gay Pride. Em alguns, provoca o preconceito às avessas ou o assédio escancarado. Há gays que tentam nos convencer de que todos somos, no fundo, bissexuais enrustidos.

O mundo será melhor quando não precisarmos mais de Paradas Gays. Ou de praias, bares e hotéis só para homossexuais, como em Ipanema, no Rio.

Elas não são gays

FONTE:
REVISTA ÉPOCA
01/06/2009 - 11:28 - Atualizado em 01/06/2009 - 11:34

Elas não são gays

Michele e Carla são casadas, têm filhos, mas afirmam não ser homossexuais

ELIANE BRUM
ebrum@edglobo.com.br

Repórter especial de ÉPOCA, integra a equipe da revista desde 2000. Ganhou mais de 40 prêmios nacionais e internacionais de Jornalismo. É autora de A Vida Que Ninguém Vê (Arquipélago Editorial, Prêmio Jabuti 2007) e O Olho da Rua (Globo)

Quando conhecem alguém, Michele Kamers e Carla Cumiotto fazem questão de se apresentar sem deixar nada por dizer: “Somos casadas, fizemos inseminação artificial em São Paulo e temos dois filhos”. Elas preocupam-se em deixar tudo claro por acreditar que são as dúvidas e sombras que alimentam maledicências e preconceitos. E, como formaram uma família diferente do padrão convencional, querem que seu casal de filhos cresça numa sociedade preparada para recebê-los. Conheci essas mulheres extraordinárias dias atrás, quando as procurei com a proposta de contar sua história. O resultado desse encontro é a reportagem "A primeira nova família brasileira", publicada na atual edição de ÉPOCA. Michele e Carla conquistaram na Justiça o direito de registrar seus gêmeos, de 2 anos, no nome de ambas. Até agora só tinham o sobrenome de Carla, a mãe biológica. Michele não aceitava a ideia de ter de entrar com um pedido de adoção. Ela desejou esses filhos, acompanhou o processo de inseminação, via banco de esperma, esteve ao lado de Carla durante toda a gestação e no parto por cesariana, e cria junto com Carla os dois filhos na casa que ambas compraram. “Eu não poderia adotar meus próprios filhos”, diz. “Eles nasceram do meu desejo, tanto quanto do de Carla.” É a primeira vez que a Justiça brasileira reconhece um vínculo exclusivamente afetivo, simbólico, como parental. Não há nenhum traço biológico ligando os gêmeos a Michele. Mas ninguém que conhece a família, assim como o juiz Cairo Roberto Rodrigues Madruga, da 8ª Vara de Família de Porto Alegre, tem qualquer dúvida sobre o fato de eles serem tão filhos de Michele quanto são de Carla. A surpresa é que uma das maiores vitórias na área dos direitos dos LGBTTTS é de um casal de mulheres que afirma não ser homossexual – não por preconceito, mas porque acreditam que a questão é mais complexa do que parece. A sigla, cada vez maior porque há sempre uma nova diferenciação a incluir, significa Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais, Trangêneros e Simpatizantes.

Quando Carla e Michele disseram-me que não se identificavam como homossexuais, meu primeiro sentimento foi de estranhamento. Até então eu me considerava heterossexual – uma definição que identifica pessoas que costumam viver suas histórias de amor com o sexo oposto, mas que raramente é usada porque ninguém precisa ficar afirmando algo que é o convencional – e, principalmente, que é aceito. E homossexual era todo aquele que vivia relações afetivas e sexuais com o mesmo sexo. Simples assim. Pelos amigos gays e por algumas reportagens que gostaria de ter feito, sempre soube que os arranjos eram muito mais complexos e interessantes do que isso. E que, ao reduzir a diferença a uma palavra ou mais palavras fechadas em seu significado, perde-se de vista um universo pleno de nuances. E nós, ditos heterossexuais, também somos reduzidos a algo que parece muito óbvio – e que de fato não é, ou pelo menos espera-se que não seja. Mas nunca fui provocada a pensar tanto assim no assunto.

Ao entrevistar o casal em sua casa, em Blumenau (SC), seus argumentos me levaram a uma série de novas questões. Ao final do primeiro dia, eu e o fotógrafo Marcelo Min pedimos uma garrafa de vinho, no hotel, e ficamos conversando sobre as tantas perguntas inusitadas que a reportagem nos provocava. Esse é sempre o melhor cenário para um repórter e para um fotógrafo que amam o que fazem: quando a pauta se mostra muito mais complexa do que parecia e nos desafia, também do ponto de vista pessoal, a indagações inéditas. Acredito que uma reportagem só acontece quando repórteres e personagens se transformam nesse encontro. E espero ter colocado nelas quase tantas pulgas quanto elas me colocaram. Carla e Michele são psicanalistas, professoras universitárias, que pensam bem e têm um ótimo senso de humor. Formam um casal mais tradicional do que a maioria dos casais convencionais que eu conheço. Cada uma delas tem uma papel bem definido na relação: Michele ocupa a posição masculina e Carla a feminina – entendendo tanto o feminino quanto o masculino nas definições tradicionais inscritas na cultura. Carla sempre namorou homens – masculinos – e Michele é a primeira mulher de sua vida. “Não posso me identificar como homossexual porque sou atraída pela posição oposta”, diz Carla. “Gosto de homens e mulheres masculinos. Jamais beijaria uma mulher ou um homem feminino.”

Na rua, Carla segue olhando para homens e, em geral, observa uma mulher quando se interessa por seus sapatos, bolsas ou roupas. Michele namorou gente de ambos os sexos durante a adolescência, mas acabou fixando-se em mulheres femininas na vida adulta. Quando viu Carla, sua professora no curso de Psicologia, encantou-se pelo vestido justo, de um ombro só, e pelas unhas vermelhas. Ela mesma está bem longe do que seria o esterótipo de uma mulher masculina.

Michele é bonita, veste-se com estilo, inclusive usando vestidos justos nas festas, usa brincos, colares e maquiagem, tem luzes no cabelo pelos ombros. Mas, por um sentimento intangível, qualquer um que se aproxima dela sabe que ela é masculina, mas não no sentido de se parecer a um homem, mas masculina como só uma mulher pode ser. E, para ciúmes de Carla, que descobriu-se com a novidade de um marido circulando predominantemente entre mulheres, Michele mesmo sem querer desperta paixonites entre garotas homo ou heterossexuais. Mas também não consegue ver-se como homossexual. “Hoje existem diversos modos de ser mulher, inclusive ser mulher e ter uma posição masculina.

Do mesmo modo que é possível ser um homem na posição feminina. Não é preciso cortar o pênis para ter um lugar social. Muita gente, ao mudar de sexo, está resolvendo na anatomia uma questão psíquica, uma questão de reconhecer-se no corpo que se tem”, diz. “Acho que uma mulher precisa ser muito mulher no sentido de não ter medo de ser confundida com um homem. Me vejo como uma mulher masculina que gosta de mulheres femininas.” Carla e Michele não frequentam guetos gays, como bares, restaurantes e danceterias. A maioria de seus amigos poderia ser identificada como heterossexual. “Todo o gueto – e não apenas o homossexual – visa excluir a diferença. Seja ele ideológico, religioso, racial ou sexual”, diz Michele. “E nós acreditamos que é o confronto com as diferenças que nos faz avançar, que nos apresenta novas possibilidades de existir, que nos permite a invenção de uma vida melhor.


Nas ocasiões em que tentaram eliminar as diferenças, determinar que só existia uma forma de viver, foi muito triste, como no nazismo e no fascismo.” Como a questão de ser ou não homossexual tangenciou as cinco horas de entrevista, Carla e Michele ainda me enviaram um email, com o objetivo de clarear sua posição. É Carla que escreve primeiro: “Não nos reconhecemos como homossexual justamente por que, ao se apresentar como ‘homossexual’ nos parece que o sujeito reduz e condensa o conjunto de traços identificatórios que o define a apenas um: ‘o homossexual’. Ou seja, como se a partir desse momento deixasse de ter nome próprio, de ser filho, de ter uma profissão, de ter uma identidade de homem ou mulher. Somos mulheres e entendemos que, na vida, se é homem ou mulher. Para depois, a partir das determinações discursivas da época em que se vive, assim como a partir das marcas infantis, e assim como dos ‘bons encontros’ na vida, cada um vai se referenciando a partir do masculino ou do feminino enquanto posição psíquica. E isso vai determinar seu jeito de amar, de namorar, de fazer laço, etc. Por exemplo: No primeiro dia em que ficamos, quando fui tocar o corpo da Michele, me surpreendi que não tinha um pênis. Isso é só para te inspirar e te dar um exemplo de que o quanto o conhecimento da anatomia e da realidade é menos determinante que a dimensão do simbólico enquanto representação. Isso é para brincar um pouco do quanto existem mil e um ordenadores e arranjos possíveis no campo da sexualidade e, principalmente, uma infinidade de arranjos possíveis para um casal”.

O texto continua, desta vez escrito por Michele. “Gostaríamos de deixar uma interrogação: o que é apresentar alguém como homossexual, na medida em que nunca vimos alguém se apresentar como heterossexual? Ou ainda, como poderíamos aceitar essa representação se a idéia do homossexual faz alusão à atração pelo mesmo sexo, se o encontro entre mim e Carla diz justamente da atração pela diferença de posição? Ou seria o estereótipo ‘homossexual’ uma forma de anular a reflexão e de manter a ilusão de que não temos ‘nada’ comum para fazer laço?”. Considerei as questões colocadas por elas tão interessantes que quis trazê-las para essa coluna. Tudo o que nos provoca a pensar sempre nos faz avançar. Concordar ou discordar não é o mais importante. Acho que as pessoas dão valor demais ao “concordo” ou “discordo” – e assim perdem ótimas oportunidades de aprimorar sua reflexão porque sentem-se ameaçadas quando algo abala suas convicções. Provocações intelectuais valem a pena porque nos fazem refletir para além do que pensávamos antes – e tornam possível chegar a questões que também superam as iniciais. Valem a pena porque nos fazem duvidar de nossas certezas. E esse é um excelente exercício para nos tornarmos pessoas melhores, que pensam mais e melhor e conjugam a tolerância. Se o método servir para alguém, sempre que algo me parece muito novo ou mesmo absurdo, eu faço um exercício que começa por um silencioso, mas nem por isso menos sonoro: “Será?”. É necessário ressaltar que a denominação homossexual e seus derivativos foram usadas por muito tempo para discriminar. Até pouco tempo o “homossexualismo” era considerado uma patologia, um desvio. E há quem ainda defenda essa teoria.

Por outro lado, com imensa coragem e obstinação, o movimento gay conseguiu transformar uma definição que era pejorativa em ação afirmativa, fundamental para a conquista de direitos. Foi preciso afirmar a diferença para conquistar o direito de existir. Fechar-se em guetos se impôs como um espaço de proteção diante de uma sociedade preconceituosa – e uma estratégia para encaminhar as questões legais com maior poder de pressão. Hoje, o próprio desdobramento da sigla LGBTTTS, que não para de aumentar em função de novas definições, mostra um caminho de abertura. O trinômio GLS (gay, lésbicas e simpatizantes) não abarca mais todas as diferenças. E possivelmente teremos uma sociedade melhor quando as diferenças não precisarem mais ser explicitadas numa sigla. É por esse caminho que me parecem ir Carla e Michele. Elas não ocultam nenhum elemento de sua condição. Pelo contrário, apresentam-se com uma transparência pouco vista, mesmo em militantes da causa. É preciso observar ainda que elas não circulam por guetos, mas na universidade, na escola dos filhos, nos restaurantes da cidade, no clube, nos próprios consultórios. E não em São Paulo, uma cidade que pelo tamanho permite a vivência de todos os arranjos – mas em Blumenau, uma cidade de porte médio, conservadora, com população predominantemente de origem alemã. Ao escutar a argumentação de Carla e Michele, fiz várias indagações sobre minha vida e analisei meus arranjos amorosos em retrospectiva.

Provavelmente eu nunca lidaria bem com um parceiro com uma posição masculina tão determinada. Percebo que tenho muito forte em mim as duas posições – e as alterno nos jogos amorosos e sexuais. Homens muito masculinos ou femininos demais acabam por me desinteressar. Sou atraída por gente que mistura, me fascino pelas nuances. E provavelmente por isso meu casamento tenha sobrevivido não às pequenas, mas a pelo menos uma grande crise.

Gosto, numa história de amor, da liberdade de ser uma coisa e outra. E, embora já tenha me sentido atraída por mulheres – femininas e masculinas –, nunca aconteceu. O que não significa que não acontecerá. E me exponho aqui em reciprocidade à exposição dessas duas mulheres, que entenderam que tinham a responsabilidade ética de se mostrar, para que outros brasileiros pudessem refletir sobre uma questão tão importante. Não acho que meu jeito é melhor que o de ninguém – nem que o de Michele e Carla sejam melhores ou piores que todos os outros possíveis.

Acredito apenas, por tudo que vi, ouvi e senti, que elas formam um casal interessante e criaram uma família bonita. Saí dessa experiência de reportagem com apenas uma convicção pessoal. Não sou heterossexual. Não porque pretenda começar a namorar mulheres, mas porque cheguei a conclusão de que essa definição diz muito pouco sobre a complexidade do que somos. Está na hora de criar nomes mais fluidos, acho eu. Se alguém me perguntar se sou homo ou hetero, vou dizer: “Sou uma mulher às vezes masculina, às vezes feminina, que gosta de homens às vezes femininos, às vezes masculinos”. É mais complicado, sem dúvida. Mas é bem mais estimulante. E libertador.(Eliane Brum escreve às segundas-feiras)

Escolas ainda não sabem lidar com os alunos gays

Fonte:
Revista Época
24/04/2009 - 23:01 - ATUALIZADO EM 24/04/2009 - 23:31

Escolas ainda não sabem lidar com os alunos gays

A rede educacional brasileira encara os homossexuais, e não o preconceito, como problema
ANA ARANHA

No começo do ano, Daniel foi recusado em sete escolas particulares de São Paulo. Ele é transexual, um menino que se sente e age como uma menina. Só conseguiu vaga em uma escola especial, para alunos com alguma deficiência.
Quando era aluno de colégio federal do Rio de Janeiro, Pedro Gabriel Gama fez um protesto na escola contra a falta de água. No dia seguinte, ouviu do diretor: “Isso é
coisa de veado!”.

Em uma escola particular de Araguaína, Tocantins, Lídia Vieira Barros brigou com uma aluna que a chamava de “sapatão”. No dia seguinte, Lídia foi mandada à orientação psicológica. A outra, não.

Em Piracicaba, interior de São Paulo, um aluno move ação contra a Secretaria de Educação. No meio de uma aula sobre fotossíntese, no ano passado, o professor se recusou a lhe entregar uma apostila. “As bichinhas não precisam desse material”, disse.

Os quatro episódios narrados acima ilustram um grande problema da rede educacional brasileira: a falta de preparo da escola para lidar com a homossexualidade e os preconceitos que ela provoca. Entrevistas feitas por ativistas gays em seis capitais mostram que a escola é o primeiro ou o segundo lugar no qual homossexuais e transexuais mais sofrem preconceito. E não é só. Duas pesquisas feitas pela Unesco em 2004 ilustram a gravidade do preconceito nas escolas: uma delas, entre os alunos, descobriu que 40% dos meninos brasileiros não querem um colega homossexual sentado na carteira ao lado; outra, com professores, mostrou que 60% deles consideram “inadmissível” que uma pessoa mantenha relações com gente do mesmo sexo. “Há um muro de preconceitos que impede as pessoas de aceitar os homossexuais: eles são promíscuos, não têm família, morrem de aids. Quando se veem diante de um aluno gay, os professores e diretores simplesmente não sabem como agir”, diz o educador Beto de Jesus, da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais.

Beto de Jesus é um dos coordenadores de um projeto financiado pelo Ministério da Educação para formar professores e ajudar as escolas a lidar com a diversidade sexual de seus alunos. O grupo vai produzir um kit didático para 6 mil escolas. Nele, haverá orientação para diretores e professores e material para os alunos. Como parte do mesmo projeto, estão sendo realizados encontros regionais com secretarias da Educação, ONGs e universidades. A ideia é coletar experiências de sucesso para ajudar a formular uma política nacional para o problema. O grupo também realiza, neste momento, a maior pesquisa qualitativa sobre homofobia nas escolas de dez capitais brasileiras, com a intenção de mapear os principais conflitos e soluções. “As escolas não estão preparadas nem para identificar esse preconceito. Enquanto os professores não podem aceitar que um aluno chame o outro de ‘negrinho’, ‘veadinho’ ainda é considerado brincadeira”, diz Carlos Laudari, diretor da Pathfinder Brasil e um dos coordenadores do projeto junto com Beto.


DUPLA IDENTIDADE

Dani toma notas em seu caderno cor-de-rosa. O menino tem 15 anos e quer ser tratado como menina

O Daniel ou a Dani?
Aos 8 anos, Daniel (o nome foi trocado) espalhava para os amiguinhos do colégio que era obrigado a ir disfarçado para a escola. “Meu pai quer um filho homem e me faz usar essas roupas e esse nome. Mas eu sou menina.” Aos 13, começou a passar base, usar brinco e fazer as unhas. Daniel é transexual, pessoa que nasce com um sexo, mas se sente e age como o sexo oposto. Na escola, pediu a professores que o chamassem de Dani, com pronome feminino. Queria ser “a” Dani. Mas só duas professoras concordaram. Uma semana depois que colocou mega-hair (aplicação de mechas no cabelo), sua mãe foi chamada à escola. Os pais de uma colega de classe ligaram indignados: “Não queremos nossa filha perto dessa aberração”. A solução encontrada pela diretora foi proibir a produção: o cabelo deveria estar preso e nada de maquiagem, brinco ou esmalte. Dani continuou a usar esmalte branco e brincos pequenos, mas tinha de tirar tudo quando cruzava com a diretora.

No dia em que foi pego usando o banheiro feminino, levou uma bronca tão grande que nunca mais fez xixi na escola. Segurava até a hora de chegar em casa.
No ano em que saiu do armário, Dani repetiu pela primeira vez. Começou a faltar às aulas semanas seguidas e tirar nota vermelha em quase todas as matérias – menos nas duas em que as professoras concordaram em chamá- lo de Dani. A mãe se mudou para São Paulo, atrás de escolas que soubessem lidar com a diferença. Um mês depois da mudança, Dani havia sido recusado por sete colégios. Só foi aceito em uma escola especial, dirigida a alunos com dificuldade de aprendizagem e deficiência física ou mental.

É muito comum alunos transexuais abandonarem os estudos. Eles se sentem rejeitados por professores que se recusam a chamá-los pelo nome do sexo oposto e pelas restrições a seu modo de vestir. Para evitar que parem de estudar, algumas secretarias de Educação estão criando uma portaria para orientar as escolas. A primeira delas foi aprovada no Pará, no ano passado. Desde janeiro, alunos transexuais podem escolher o nome e o sexo, que fica registrado em sua matrícula. Assim, professores, diretores e funcionários têm de chamá-los e tratá-los pelo sexo de sua escolha. Em um mês, a secretaria contou 111 transexuais e travestis matriculados. “São jovens de 19 a 29 anos que tinham abandonado a escola e agora estão voltando”, diz a psicóloga Cléo Ferreira, uma das coordenadoras das mudanças na secretaria.
A rede educacional brasileira encara os homossexuais, e não o preconceito, como problema

MAU EXEMPLO DE CIMA

Pedro, de 18 anos, fotografado durante uma oficina sobre diversidade sexual. Ele achava que o problema da aceitação de sua sexualidade viria dos colegas da escola, mas foi o diretor quem o chamou de “veado”
Pedro e o diretor

Aluno de um dos colégios federais mais disputados do Rio de Janeiro, Pedro Gabriel Gama passou os primeiros anos do ensino médio tomando coragem para se assumir gay. Ele testava a aceitação dos amigos com pequenas revelações sobre sua personalidade. Levou meses para ter coragem de cruzar a perna e colocar um brinco. As amigas reagiam: “Que brinco ridículo é esse?”, “Descruza essa perna, parece uma moça!”. A cada pequeno tabu que quebrava, vibrava com a conquista pessoal. Cansado de jogar futebol na educação física, simulou um problema no joelho para conseguir atestado médico. Conseguiu ser liberado. Mas, no intervalo, aumentavam as risadinhas abafadas. Depois de cruzar com meninos no corredor, ouvia-os imitar: “Ai, ai”.
Pedro sempre achou que a maior resistência para aceitar sua homossexualidade viria dos alunos. Até o dia em que entrou em conflito com o diretor. Líder do grêmio escolar, ele mobilizou uma greve por um dia para protestar contra a falta de água na escola. No dia seguinte, viu o diretor se aproximar dele, furioso, no pátio. “Na frente de todo mundo, ele disse: ‘Isso que você fez não é coisa de homem, é coisa de veado’.” O aluno não reagiu. “Eu não tinha base para argumentar, nem sabia que aquilo se chamava homofobia”, afirma Pedro. Ele só se assumiu na faculdade.
“A homofobia está ligada ao machismo. Os meninos desclassificam o gay para mostrar que são machos”, afirma o educador Lula Ramires, especialista na formação de professores para lidar com a diversidade sexual. Para tentar formar uma geração mais flexível, educadores estão tentando quebrar a divisão entre os sexos na escola. Já no pré, colocam meninas e meninos para usar o mesmo banheiro e brincar nas mesmas atividades. Nas fábulas, às vezes o príncipe salva a princesa, às vezes a princesa salva o príncipe. “A flexibilidade e a capacidade de se relacionar com pessoas diferentes são habilidades importantes para essa geração, que a escola não pode deixar de trabalhar”, diz o educador Beto de Jesus.
Lídia e a psicóloga

Quando estudava em uma escola particular de Araguaína, Tocantins, Lídia Vieira Barros ouvia comentários de amigos e professores sobre o fato de usar camisetão, tocar violão e não se preocupar em ser delicada. Um dia, foi pega beijando outra menina no banheiro. A notícia rapidamente se espalhou. “Ela era uma das mais bonitas da escola. Os meninos vieram me cumprimentar”, diz Lídia. O preconceito contra as lésbicas é diferente. Ele se manifesta mais contra os modos e as vestimentas masculinizadas e menos contra a opção sexual propriamente dita. Um dia isso explodiu contra Lídia. Cansada de uma aluna que gritava “sapatão” toda vez que se cruzavam no pátio, ela chamou a menina para briga. Elas se atracaram na saída do colégio, e as mães das duas foram chamadas para conversar. Na frente das quatro, a coordenadora orientou a mãe de Lídia a procurar uma psicológa para sua filha. “A outra menina saiu no crédito. Eu é que precisava de tratamento”, diz.

É comum a reação das escolas que ainda tratam o homossexual – e não o preconceito – como o problema. “A falta de preparo é grande. Os professores e diretores precisam saber separar o que pensam do modo como agem quando a questão é alunos homossexuais”, diz Alexandre Bortolini, coordenador do Projeto Diversidade Sexual na Escola, da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Escolas ainda não sabem lidar com os alunos gays.

A rede educacional brasileira encara os homossexuais, e não o preconceito, como problema
ANA ARANHA



AULA DE TOLERÂNCIA

Alunos do 1º ano do ensino médio em uma escola estadual de Piracicaba, durante uma oficina de diversidade sexual. Eles discutem o respeito aos homossexuais
Geraldo e as apostilas

Em Piracicaba, interior de São Paulo, um aluno de 17 anos, Geraldo (o nome foi trocado), move uma ação contra a Secretaria de Educação. Ele conta que o professor de biologia se recusou a entregar uma apostila para ele e seus amigos, com a seguinte alegação: “As bichinhas não precisam deste material”. Foi reclamar na direção e fez um boletim de ocorrência. O professor foi recriminado verbalmente e pediu uma semana de licença. Depois voltou a dar aulas. Ao contrário do racismo, que pode dar cadeia, a homofobia é crime civil. Quem é condenado paga uma multa. Nesse caso, se houvesse condenação, quem pagaria a multa seria o governo, porque o professor estava em horário de trabalho.

Para tentar evitar esse tipo de confronto, uma ONG da mesma cidade ensina os professores a lidar com a diversidade sexual. O Centro de Apoio e Solidariedade à Vida faz oficinas no horário de planejamento dos professores ao longo de três anos. Primeiro, levam textos e vídeo sobre o que já foi estudado na área. “Eles ficam sabendo dos mitos que já foram quebrados e refletem sobre seus valores e preconceitos”, diz Anselmo Figueiredo, diretor da ONG e coordenador do projeto.

No segundo ano, levam materiais para o professor trabalhar com os alunos e, no terceiro, vão para as salas de aula aplicar as atividades. “O professor fica assistindo para ver que não é um bicho de sete cabeças.”

ÉPOCA acompanhou uma dessas oficinas e notou como é difícil tratar o tema com os adolescentes. “É possível uma pessoa nascer com pênis e se sentir mulher?”, perguntou Anselmo a uma turma de 1o ano do ensino médio. Um aluno respondeu em voz alta: “Todo homem que gosta de homem se sente mulher!”. E continuou em voz baixa: “O Henrique (o nome foi trocado) se sentia mulher...”. O comentário foi seguido por risadinhas a seu redor. Ele se referia a um colega que estudou na mesma sala. Gay assumido, Henrique foi cercado e agredido por dez alunos mais velhos no ano passado. Anselmo continuou: “Vamos repensar nosso comportamento. Por que homem não pode gostar de balé?”. Os alunos responderam em coro: “Hummm...”. O próprio Anselmo riu com os alunos. Ele sabe que apenas uma oficina não vai mudar a cabeça de ninguém. “Precisa de trabalho constante, cartazes, atividades e intervenção do professor quando o preconceito aparecer.”

Gays no divã

FONTE:
REVISTA ÉPOCA
20/04/2009 - 17:03 - ATUALIZADO EM 20/04/2009 - 17:10

Gays no divã

Pesquisa realizada na Inglaterra mostra que um em cada seis terapeutas usa práticas para "curar" a homossexualidade de seus pacientes. Especialistas ouvidos por ÉPOCA refutam esse tipo de tratamento, que pode ser perigoso para quem busca conviver com sua sexualidade
DANILO CASALETTI

Na Inglaterra

Pesquisa mostra que terapeutas ainda tentar 'curar' os gays
"Hoje vivo uma sexualidade sadia”. É como essa frase de alívio que a carioca Claudia Machado, de 34 anos, lembra-se da fase em que tentou negar, e, depois, reverter a sua homossexualidade. Nascida em uma família humilde, Cláudia foi criada dentro de uma religião que classificava como pecado a homossexualidade. “Passava dias e dias rezando para expulsar meus sentimentos de dentro mim”, diz. Cláudia namorou rapazes e chegou a ficar noiva, aos 24 anos. Na época, encontrou um outro grupo religioso que prometia "curar" sua preferência sexual. “Negava meu desejo. Quase fiquei louca. Viajava para pregar dizendo que havia me 'libertado' da homossexualidade, mas sentia desejo pelas minhas companheiras de quarto”, afirma.

A verdadeira libertação, segundo Cláudia, veio quando passou a aceitar que gostava de pessoas do mesmo sexo. Procurou um grupo de apoio para lésbicas no Rio de Janeiro e descobriu que o que sentia, na verdade, não era uma doença. Conheceu sua companheira, com quem vive há 10 anos, e passou a militar pela causa dos homossexuais. Em 2003, foi chamada pelo hoje ministro do Meio Ambiente Carlos Minc para participar de um debate na Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro sobre um projeto que pretendia legalizar um tratamento para reversão de gays. “Graças a Deus essa maluquice não foi aprovada”, diz.

Não há nenhum tratamento para a homossexualidade, que, desde dos anos 90, foi retirada da lista de doenças mentais, mas casos como o de Cláudia, de tentativa de "reversão", são mais comuns do que se imagina. Dentro dos consultórios, inclusive, como mostrou uma recente pesquisa divulgada na Inglaterra. Um estudo com 1400 psiquiatras e terapeutas publicado pela revista especializada BMC Psychiatry concluiu que um em cada seis profissionais admite ter tratado pelo menos um paciente para alterar os seus sentimentos homossexuais, mesmo sabendo que a prática é condenada pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

De acordo com o estudo, as entidades religiosas são as que mais estimulam a crença de que a homossexualidade pode ter "cura". Em um artigo publicado no jornal britânico The Independent, o professor Michael King, da Universidade College Medical School, em Londres, afirma que os jovens encontram esse tipo de promessa principalmente na internet e depois levam a questão para seus terapeutas. “Se o terapeuta não tem bom senso o suficiente para dizer que o desejo homossexual é uma parte deles e não há nada patológico nisso, os pacientes podem ser seduzidos a tentar a reversão”, afirma King.

Como não é doença, não há cura

Segundo Carmita Abdo, psiquiatra e coordenadora geral do ProSex (Projeto de Sexualidade do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo), todo homossexual que for egodistônico, ou seja, que não aceitar sua condição sexual e tiver conflito em relação à sua sexualidade pode ser tratado por um psiquiatra ou terapeuta. Não para reverter ou mudar a sua tendência, mas para tentar se adaptar à sua condição. Essa é a orientação da OMS, que há 15 anos tirou da homossexualidade o status de "doença mental". ”Todos os tratamentos aplicados até então para curar um homossexual não davam certo, pelo contrário, tornavam a situação dele ainda mais crítica”, diz Carmita.

Para ela, a tentativa de "reverter" a homossexualidade de um paciente acabava por deixá-lo mais confuso. “Esse tipo de tratamento cria um conflito entre o que ele deseja ser e o que ele consegue ser”, afirma a psiquiatra. Para Carmita, nos dias atuais, um profissional de saúde não pode fazer uma escolha de como tratar um homossexual, uma vez que existe um consenso, uma diretriz da OMS que diz que não existe uma doença e, portanto, não há uma cura para ela. “Um psiquiatra não pode optar por reverter ou não a homossexualidade de um paciente. Ele precisa trabalhar para que seu paciente se sinta confortável com a sua orientação sexual”, diz. Para Carmita, o resultado da pesquisa mostra que alguns profissionais ainda pensam e atuam dentro do parâmetro antigo, quando a homossexualidade era considerada uma doença e a reversão era perfeitamente aceita. Bastante praticada entre as décadas de 50 e 60, a tentativa de "curar" a homossexualidade era tida como viável porque se acreditava que o comportamento psicológico era decisivo para a orientação sexual.

Mas a ideia da cura da homossexualidade muitas vezes parte do próprio paciente. O psicólogo Cláudio Picazio, autor dos livros Diferentes desejos e Sexo secreto (Editoras Summus), conta que é comum receber em seu consultório pacientes que pedem uma mudança em seus desejos. “Nesses casos, meu papel é fazer com que ele assuma o seu desejo, mesmo que não queira colocá-lo em prática. Reprimi-lo só piora as coisas”, afirma. Picazio explica que a repressão desse desejo pode colocar o indivíduo em situações de risco. “É como acontece com essas dietas radicais. Um dia, a pessoa não aguenta e come uma torta inteira”, diz. “Nessas horas, a pessoa acaba fazendo sexo sem preservativo, frequenta lugares isolados, procura parceiros em saunas, sai com garotos de programa”.

Picazio afirma que, muitas vezes, esse conflito, ou seja, o incômodo com a atração por alguém do mesmo sexo, pode acontecer porque existe uma diferença em ter desejos homossexuais e ter, eventualmente, uma atitude homossexual. “Um exemplo disso são os adolescentes que, em fase de experimentação, acabam tendo relações com pessoas do mesmo sexo”, diz. Segundo Picazio, um psicólogo também pode ajudar o paciente a entender o que sente e orientar de que maneira ele pode viver ou não esse desejo. “Reprimir isso a vida toda é muito difícil, mas se isso for uma escolha da pessoa, tenho que ajudá-la”.

Outra situação muito comum nos consultórios são pais que levam seus filhos, principalmente adolescentes, assim que percebem alguma inclinação homossexual. “Muitos pais me dizem que vão colocar os filhos no jiu-jitsu para que virem heterossexuais”, diz. Segundo Picazio, é preciso, nesse caso, atender os pais para mostrar que não se muda um desejo sexual. “É preciso trabalhar neles a frustração de ter um filho gay ou uma filha lésbica”, afirma.

Serviço:
O ProSex (Projeto de Sexualidade do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo) oferece atendimento gratuito.
Informações: 11 3069-6982

segunda-feira, 5 de abril de 2010

MInha filha adolescente é Lésbica

Minha filha adolescente é Lésbica

Originalmente a idéia de escrever e dividir as angústias, questionamentos, dúvidas com pessoas e famílias que estão passando pela mesma situação foi da minha mãe. Ocorre que a minha mãe não tem condições para iniciar nem tampouco de manter esse diálogo aberto devido ao enorme sofrimento que está enfrentando a cerca de 2 anos, ou seja, desde o momento que tomou conhecimento da homossexualidade da minha irmã caçula.

Escrever esse blog “para ou pela” minha mãe foi uma forma sincera de compactuar com seu sofrimento e também para dividir essa profunda e dolorosa experiência com pessoas que porventura estejam passando pela mesma situação.

Futuramente, tenho a sincera e carinhosa intenção de escrever um livro acerca do tema adolescente lésbicas & suas respectivas famílias com o objetivo de auxiliar pais e filhos a lidarem com essa realidade que ao que tudo indica não se trata de um modismo. Para tanto, queridos leitores conto com o apoio e auxílio de vocês no sentido de enviarem sugestões, críticas, casos semelhantes e tópicos a serem abordados neste livro que será nosso. Acredito que poderei agregar, auxiliar e trocar muitas experiências pelo fato da minha irmã ser lésbica.

Nós amamos demais nossa irmã e aceitamos sua opção sexual, porém ressalto: Aceitar não significa concordar, significa compreender.

Primeiramente gostaria de registrar que esta história é verídica e por este motivo para preservar a privacidade da minha família os nomes foram trocados.

Embora a vida seja dela e a opção de vida também seja dela, eu particularmente ainda não aprendi a lidar com a opção sexual da minha irmã e confesso que talvez nunca aprenda. Embora às vezes tenha uma necessidade imensa de me questionar, questionar o mundo, pessoas, enfim talvez um dia eu encontre uma resposta. Nem sei se quero aprender a lidar com isso... O fato é que a opção sexual é da minha irmã, porém a opção dela afetou toda a família. Nós "ficamos e estamos na boca de todos": família, vizinhos, amigos, inimigos, conhecidos e até mesmo de desconhecidos. Nos lugares e momentos mais improváveis ouvimos comentários maldosos, maliciosos, curiosos de todos os tipos de pessoas: tias, parentes, vizinhos, colegas e até mesmo de pessoas distantes que não tem absolutamente nada a ver com as nossas vidas. É simplesmente horrível!

Por exemplo, eu sou casada e a família do meu marido é tradicional e literalmente correta, ou seja, uma família tecnicamente perfeita. Imaginem a minha situação ao encarar e tentar explicar para minha sogra, cunhadas, cunhados, sobrinhos que a minha irmã é lésbica!? Vocês não têm idéia do tamanho do meu constrangimento, se é que existe no mundo alguma medida que defina "tamanho do constrangimento". Para resolver essa questão que para mim é importante e que me fez perder muitas noites de sono eu conversei abertamente com o meu marido, porém com a família dele não tive coragem de abrir meu coração. Pedi ao meu marido que não comentasse nada a respeito da vida da minha irmã com sua família, porém não tenho como afirmar se ele acatou meu pedido. De qualquer forma, a família dele não aborda este assunto comigo. Neste momento da minha vida ainda não tenho estrutura para isso.

A minha preocupação tem fundamento porque sou muito família e todos que convivem comigo sabem o quanto sou próxima aos meus irmãos, especialmente a Naty que sempre considerei como uma filha. Sofro e choro, todos os dias, principalmente quando me lembro da sua infância e de como eu fiz o possível para cuidar e protegê-la.

Minha Família

Somos uma família de cinco filhos, sendo quatro mulheres e 1 homem. Eu sou a mais velha tenho 35 anos e a minha irmã caçula tem 20 anos e é lésbica. Vou chamá-la de Naty.

Minha mãe casou-se 2 vezes, tendo quatro filhos no primeiro casamento e a Naty no segundo casamento. O primeiro casamento durou apenas 7 anos, porém com saldo de quatro filhos. Quando eu estava com 15 anos minha mãe engravidou da Naty, ou seja, do seu segundo casamento. Nunca houve diferenciação no tratamento dado a Naty. Ela sempre foi tratada como irmã legítima. Quando ela nasceu, nós éramos adolescentes e a Naty era nossa bonequinha.

Na medida do possível ela teve tudo, principalmente muito amor e carinho. Na verdade nossa família é muito amorosa, calorosa e alegre. Minha mãe é uma guerreira, uma mãe exemplar: Caridosa, generosa e trabalhadora.

Ela sempre trabalhou muito até em dois empregos para nos sustentar. Ela atuou como enfermeira durante muito tempo e a sua profissão nos enche de orgulho. Ela nunca dependeu de marido ou ex marido. Ela nunca deixou faltar comida em nossa mesa e sempre nos incentivou a estudar para prosperarmos na vida. Tivemos uma infância livre, sem muitas regras, mesmo assim nunca demos trabalho na escola e na adolescência também não tivemos problemas com drogas ou más companhias. Todos são formados e pós graduados, exceto a Naty que após concluir o colegial preferiu parar de estudar até encontrar sua vocação.

Eu e os meus irmãos batalhamos muito para pagar nossos estudos, sempre tivemos o incentivo moral da minha mãe, mas infelizmente não pudemos contar com incentivo financeiro. Então desde cedo começamos a trabalhar para ajudar em casa e principalmente para pagar a faculdade. Podemos dizer que com muito esforço e dedicação vencemos na vida e graças a Deus somos extremamente gratos e generosos com a minha mãe. O apartamento que ela mora com a minha irmã do meio e a Naty foi presenteado por nós. Nosso sonho sempre foi tirar minha mãe do aluguel e conseguimos realizar nosso objetivo. Ela batalhou tanto por nós que dar uma casa para ela era o mínimo que podíamos fazer.

Eu para chegar aonde cheguei literalmente comi pedra. Na minha adolescência não tinha dinheiro nem para a condução. Quando fui prestar meu primeiro vestibular só tinha o dinheiro da condução da ida, da volta não. Não tinha roupas, tênis da moda, nem tampouco material escolar. Então tudo o que eu não tive procurei oferecer para a Naty. Todo início de ano comprava seu material escolar. Comprava tudo do bom e do melhor: cadernos da Barbie, lapiseiras da moranguinho, borrachas perfumadas, fichário, lápis, canetinhas coloridas, etc. Comprava também roupas e tênis legais, pois não queria que ela se sentisse inferior perante a suas coleguinhas da classe. Quando ela não conseguia alguma coisa comigo, ela pedia para minhas outras irmãs que prontamente atendiam o seu pedido.

Com quatorze anos ensinamos ela dirigir e modéstia a parte ela dirige melhor do que os quatro irmãos juntos.

Aos quinze nos reunimos, fizemos uma vaquinha e organizamos uma festa de quinze
anos maravilhosa. Uma festa completa, como manda o figurino: 15 casais, valsa, dois vestidos, sendo um para receber os convidados e outro o outro para dançar a valsa. Toda decoração foi rosa. Nossa princesinha estava linda e feliz e nós: minha mãe e meus irmão estávamos em êxtase em poder proporcionar uma festa tão linda a nossa garotinha.

Psicologicamente falando é possível que tardiamente eu, a Renata e a Ana tenhamos realizado nossos sonhos de debutantes através da festa da Naty. De qualquer forma, a festa de quinze anos foi um desejo da Naty, ela sonhou e desejou muito esta festa. Em nenhum momento foi algo imposto pela família. Nós apenas realizamos seu sonho de menina e debutante. Vale ressaltar que somente a Naty teve a oportunidade de comemorar seus aniversários em Buffet.

Na verdade, ela não passou as dificuldades financeiras que enfrentamos em nossa infância e adolescência. Ela nasceu em outra época, em um momento melhor em todos os aspectos, por este motivo não acho justo que ela sofra privações. Que bom que não somos pessoas amargas. Conheço muitas pessoas que passaram dificuldades e por este motivo não acham justo que os filhos ou parentes tenham acesso facilmente ao que não tiveram. Eu particularmente não concordo com isso. Com muito esforço paguei minha faculdade e tenho orgulho disso, mas se um dia a Naty quiser estudar, com certeza vou ajudá-la a pagar seus estudos.

Aliás, este é um ponto importante e é inevitável evitar comparações. Eu sempre tive vontade de estudar, sem exagero meu sonho era entrar na faculdade e me formar, mas somente realizei este sonho após conseguir um emprego decente. Caso a Naty tivesse essa mesma vontade ou pelo menos 1/3 desta vontade com certeza nós pagaríamos a faculdade para ela.

Ela simplesmente não tem vontade ou inspiração para iniciar uma faculdade. Marquei várias entrevistas de emprego, inclusive no segmento bancário, mas ela não demonstra interesse, garra e ambição para conquistar a vaga e a consequência disso é que ou falta na entrevista ou é reprovada no processo seletivo. Ela já pensou fazer faculdade de gastronomia, mas também não demonstrou interesse em pesquisar detalhadamente sobre o assunto. Imagino que para ser um bom profissional em gastronomia é necessário conhecer culturas, idiomas, além de receitas e especiarias. Sem o interesse e busca de conhecimento constante acho bom nem começar nesta profissão.


Ela pensou em fazer turismo, mas também a vontade passou rápido e o projeto não foi levado a diante. Recentemente minha mãe pagou um curso de comissária de bordo, diga-se de passagem um curso caro e difícil. Ela concluiu o curso, porém foi não conseguiu o diploma, pois não foi conseguiu a média nas provas finais. Embora ela tenha todo o tempo do mundo para estudar até porque não trabalha, ela não conseguiu tirar boas notas nas provas. Fiquei chateada, mas não cobrei nada afinal de contas quem sou eu para cobrar alguma coisa. Como ela tem 20 anos, sente-se cobrada, exigida, pressionada, mas se cobro algo é para o próprio bem dela. Como estou no mercado de trabalho desde os meus 13 anos posso afirmar que além de ser difícil conquistar um bom emprego o desafio de manter-se empregado é maior ainda, ou seja, o quanto antes o jovem começa a estudar e a trabalhar mais fácil será para galgar os degraus de uma sólida carreira profissional. Não dá mais para ” ficar sentado no sofá com a boca escancarada cheia de dentes” esperando cair do céu uma vocação/inspiração profissional ou ainda uma vaga de emprego.

Ocorre que eu me preocupo demais com o futuro dela, principalmente porque gostaria que ela se tornasse uma pessoa independente e tivesse uma formação profissional. O que há demais nisso? Acho que é o mínimo que uma irmã ou uma mãe podem exigir de um filho!?

Acho importante mencionar sobre o nossa família, bem como descrever sobre nossas vidas, pois minha intenção com isso é demonstrar que somos uma família considerada estruturada e normal, que não sofremos grandes traumas, pelo menos aparentemente.

Enfrentamos muitas dificuldades financeiras, mas em momento algum perdemos nossa dignidade, respeito e vontade de crescer espiritualmente, moralmente e financeiramente. Hoje, somos uma família de classe média, com um bom nível de escolaridade, acreditamos em Deus e nos amamos acima de tudo. Mas o que interessa é que ser da classe A, B ou Z não significa muito coisa, pois eu senti na pele que classe social não define opção sexual; religião não define opção sexual, educação não define opção sexual nem tampouco o amor dado ao filho define sua opção sexual. Se todos esses critérios definissem a opção sexual acredito que a Naty seria heterossexual, pois ela teve todo amor do mundo da minha mãe e dos irmãos, desde criança teve liberdade para expressar suas idéias e desejos, não sofreu abandono, não sofreu rejeição, teve apoio, carinho, conforto e educação. Além disso teve forte influência religiosa, pois minha mãe e minhas duas irmãs são evangélicas fervorosas. Frequentam assiduamente os cultos, são batizadas e seguem os preceitos da religião de uma forma bonita e com extrema dedicação.

Em minha opinião, os evangélicos abordam fortemente a questão do pecado X inferno e com a minha mãe não é diferente. Além do seu sofrimento sem medida, imaginem a sua dificuldade em aceitar sem ressalvas sua filhinha querida e ao mesmo tempo lidar com o forte conflito religioso, espiritual e moral.

Onde minha mãe errou? Onde nós irmãos erramos? Não questiono meu padrasto, pois ele não faz parte da minha vida, mas me questiono diariamente ou sem exagero me questiono a cada segundo: Onde erramos? Onde errei?

Desculpe-me se passo a impressão de preconceituosa, mas me reservo o direito de não aceitar essa situação, pelo menos em meu íntimo.

Coragem ou Frieza: O “Comunicado”.

Primeiramente ela comunicou a minhas duas irmãs mais novas, em seguida ao irmão e a minha mãe. Após 6 meses da divulgação para a família, eu fui a última a saber. O dia do comunicado, jamais esquecerei: 01.01.2009! Imaginem como eu comecei meu ano? Imaginem começar o ano com uma notícia bombástica como essa!

Eu fiquei paralisada, inerte, petrificada e ainda fiquei sem falar e sem me comunicar por duas semanas. Para piorar a situação parei de respirar e tive uma das piores crises asmáticas da minha vida. Fui parar no hospital e por mais forte que fosse o medicamento, nada fazia efeito. Para mim, mais nada fazia sentido e daí eu parei de dormir. Passava as madrugadas em claro, chorando e conversando com Deus.

Um ponto importante ao qual me chama atenção é a forma como a Naty declarou a sua opção sexual a família. Em nenhum momento ela demonstrou dúvida ou questionamentos sobre sua escolha. Ela foi clara, objetiva e decidida. Na verdade ela não pediu nossa opinião, ela simplesmente nos comunicou e nós não tivemos chances nem de questioná-la.

Ela fez uma tatuagem no pulso com o nome da namorada, passava literalmente 24 horas grudada com a menina e nós ficamos assistindo a tudo estarrecidos com a situação.

Se minha família tivesse sido negligente ou violenta com ela talvez sua atitude fria e calculista tivesse justificativa, mas repito: Ela sempre foi tratada com muito amor, apoio e carinho. Minha mãe foi melhor com ela do que com os demais filhos. Minha mãe é um amor de pessoa, boazinha, carinhosa, amiga, religiosa e querida por todos.

Vocês não tem idéia do que é presenciar o sofrimento da minha mãe. Toda sua alegria e disposição foi por água abaixo. Quando ela soube da opção sexual da Naty ela se entregou ao choro, ao desespero e a Deus. Andava pelas ruas, pelos bairros durante horas sem rumo e sem paradeiro. Ficou semanas caminhando pelos bairros da Zona Norte sem destino, igual um andarilho. Entregou-se ainda mais a religião, fez jejum, chorou e caiu fortemente em depressão.

A impressão que eu tenho é que em nenhum momento a Naty pensou no sofrimento que nos causou. Sério eu ainda questiono tamanha frieza, pois eu não teria coragem para magoar tantas pessoas queridas ao mesmo tempo. Aliás, coragem é uma palavra que merece reflexão.

Em nenhum momento a Naty teve vergonha de encarar a família, os parentes, os vizinhos, etc. Ela encarou todo mundo com a maior cara de pau e inclusive logo em seguida sua namorada passou praticamente a morar em nossa casa. Ficamos em estado de choque com a notícia e ainda fomos obrigados a conviver com as duas diariamente, inclusive sábados, domingos e feriados. Sinceramente, essa situação beirou a maldade. Nós ficamos com receio de perder nossa identidade e a marca de família feliz.


Quando a minha mãe retomou a consciência ela proibiu a entrada da “namorada” Melissa em casa e por este motivo a Naty decidiu sair de casa. Foi morar com a Melissa em uma casa praticamente abandonada em condições deploráveis. Minha mãe não se opôs, mas novamente seu coração foi ferido com um punhal. Ver sua filha querida sair de casa nessa situação talvez tenha sido um dos piores sofrimentos enfrentados em toda sua vida. Felizmente essa desastrosa aventura durou apenas 4 meses e a Naty voltou para a casa e claro foi recebida de braços abertos por todos nós. Aliás entre nós comemoramos e ficamos muito felizes com a volta da nossa irmãzinha para casa.


O término do relacionamento Naty e Melissa

A Naty voltou para casa por livre e espontânea vontade, porém o relacionamento das duas entrou em crise. Uma crise que persistiu por aproximadamente 6 meses e que mais uma vez testou até as últimas conseqüências minha família, especialmente eu e a minha mãe.

A Naty vivia chorando pelos cantos da casa, saia várias vezes durante o dia atrás da Melissa, muitas vezes até de madrugada. Ela sofreu uma decepção muito grande neste relacionamento somado a rejeição e traições. Quanto mais coisas ela descobria sobre sua namorada, mais ela se entregava ao sofrimento e começou a definhar. Parou de comer e passava a maior parte do dia na cama sem forças para levantar e enfrentar a vida. Emagreceu muito, mas mesmo assim continuou bonita.

Aliás beleza é um ponto que vale a pena ser discutido. O que é beleza? O que significa ser bonita? Digo isso porque embora eu seja nova, moderna e liberal eu me surpreendi muito quando soube da verdade. Não imaginava que uma adolescente bonita, alta, magra, delicada, feminina e diga-se de passagem, sem celulite se torna lésbica/SAPATÃO! Sei lá a realidade do lesbianismo estava muito distante de mim e com certeza da minha família. Para mim, as lésbicas eram mulheres amargas, desengonçadas, masculinizadas, traumatizadas, feias, gordas, enfim no sentido literal da palavra: SAPATÃO! E daí de repente nos deparamos com a concretização de uma lésbica totalmente diferente de um SAPATÃO e o pior: nossa irmã, minha irmã, a filha querida e amada!


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