segunda-feira, 5 de abril de 2010

MInha filha adolescente é Lésbica

Minha filha adolescente é Lésbica

Originalmente a idéia de escrever e dividir as angústias, questionamentos, dúvidas com pessoas e famílias que estão passando pela mesma situação foi da minha mãe. Ocorre que a minha mãe não tem condições para iniciar nem tampouco de manter esse diálogo aberto devido ao enorme sofrimento que está enfrentando a cerca de 2 anos, ou seja, desde o momento que tomou conhecimento da homossexualidade da minha irmã caçula.

Escrever esse blog “para ou pela” minha mãe foi uma forma sincera de compactuar com seu sofrimento e também para dividir essa profunda e dolorosa experiência com pessoas que porventura estejam passando pela mesma situação.

Futuramente, tenho a sincera e carinhosa intenção de escrever um livro acerca do tema adolescente lésbicas & suas respectivas famílias com o objetivo de auxiliar pais e filhos a lidarem com essa realidade que ao que tudo indica não se trata de um modismo. Para tanto, queridos leitores conto com o apoio e auxílio de vocês no sentido de enviarem sugestões, críticas, casos semelhantes e tópicos a serem abordados neste livro que será nosso. Acredito que poderei agregar, auxiliar e trocar muitas experiências pelo fato da minha irmã ser lésbica.

Nós amamos demais nossa irmã e aceitamos sua opção sexual, porém ressalto: Aceitar não significa concordar, significa compreender.

Primeiramente gostaria de registrar que esta história é verídica e por este motivo para preservar a privacidade da minha família os nomes foram trocados.

Embora a vida seja dela e a opção de vida também seja dela, eu particularmente ainda não aprendi a lidar com a opção sexual da minha irmã e confesso que talvez nunca aprenda. Embora às vezes tenha uma necessidade imensa de me questionar, questionar o mundo, pessoas, enfim talvez um dia eu encontre uma resposta. Nem sei se quero aprender a lidar com isso... O fato é que a opção sexual é da minha irmã, porém a opção dela afetou toda a família. Nós "ficamos e estamos na boca de todos": família, vizinhos, amigos, inimigos, conhecidos e até mesmo de desconhecidos. Nos lugares e momentos mais improváveis ouvimos comentários maldosos, maliciosos, curiosos de todos os tipos de pessoas: tias, parentes, vizinhos, colegas e até mesmo de pessoas distantes que não tem absolutamente nada a ver com as nossas vidas. É simplesmente horrível!

Por exemplo, eu sou casada e a família do meu marido é tradicional e literalmente correta, ou seja, uma família tecnicamente perfeita. Imaginem a minha situação ao encarar e tentar explicar para minha sogra, cunhadas, cunhados, sobrinhos que a minha irmã é lésbica!? Vocês não têm idéia do tamanho do meu constrangimento, se é que existe no mundo alguma medida que defina "tamanho do constrangimento". Para resolver essa questão que para mim é importante e que me fez perder muitas noites de sono eu conversei abertamente com o meu marido, porém com a família dele não tive coragem de abrir meu coração. Pedi ao meu marido que não comentasse nada a respeito da vida da minha irmã com sua família, porém não tenho como afirmar se ele acatou meu pedido. De qualquer forma, a família dele não aborda este assunto comigo. Neste momento da minha vida ainda não tenho estrutura para isso.

A minha preocupação tem fundamento porque sou muito família e todos que convivem comigo sabem o quanto sou próxima aos meus irmãos, especialmente a Naty que sempre considerei como uma filha. Sofro e choro, todos os dias, principalmente quando me lembro da sua infância e de como eu fiz o possível para cuidar e protegê-la.

Minha Família

Somos uma família de cinco filhos, sendo quatro mulheres e 1 homem. Eu sou a mais velha tenho 35 anos e a minha irmã caçula tem 20 anos e é lésbica. Vou chamá-la de Naty.

Minha mãe casou-se 2 vezes, tendo quatro filhos no primeiro casamento e a Naty no segundo casamento. O primeiro casamento durou apenas 7 anos, porém com saldo de quatro filhos. Quando eu estava com 15 anos minha mãe engravidou da Naty, ou seja, do seu segundo casamento. Nunca houve diferenciação no tratamento dado a Naty. Ela sempre foi tratada como irmã legítima. Quando ela nasceu, nós éramos adolescentes e a Naty era nossa bonequinha.

Na medida do possível ela teve tudo, principalmente muito amor e carinho. Na verdade nossa família é muito amorosa, calorosa e alegre. Minha mãe é uma guerreira, uma mãe exemplar: Caridosa, generosa e trabalhadora.

Ela sempre trabalhou muito até em dois empregos para nos sustentar. Ela atuou como enfermeira durante muito tempo e a sua profissão nos enche de orgulho. Ela nunca dependeu de marido ou ex marido. Ela nunca deixou faltar comida em nossa mesa e sempre nos incentivou a estudar para prosperarmos na vida. Tivemos uma infância livre, sem muitas regras, mesmo assim nunca demos trabalho na escola e na adolescência também não tivemos problemas com drogas ou más companhias. Todos são formados e pós graduados, exceto a Naty que após concluir o colegial preferiu parar de estudar até encontrar sua vocação.

Eu e os meus irmãos batalhamos muito para pagar nossos estudos, sempre tivemos o incentivo moral da minha mãe, mas infelizmente não pudemos contar com incentivo financeiro. Então desde cedo começamos a trabalhar para ajudar em casa e principalmente para pagar a faculdade. Podemos dizer que com muito esforço e dedicação vencemos na vida e graças a Deus somos extremamente gratos e generosos com a minha mãe. O apartamento que ela mora com a minha irmã do meio e a Naty foi presenteado por nós. Nosso sonho sempre foi tirar minha mãe do aluguel e conseguimos realizar nosso objetivo. Ela batalhou tanto por nós que dar uma casa para ela era o mínimo que podíamos fazer.

Eu para chegar aonde cheguei literalmente comi pedra. Na minha adolescência não tinha dinheiro nem para a condução. Quando fui prestar meu primeiro vestibular só tinha o dinheiro da condução da ida, da volta não. Não tinha roupas, tênis da moda, nem tampouco material escolar. Então tudo o que eu não tive procurei oferecer para a Naty. Todo início de ano comprava seu material escolar. Comprava tudo do bom e do melhor: cadernos da Barbie, lapiseiras da moranguinho, borrachas perfumadas, fichário, lápis, canetinhas coloridas, etc. Comprava também roupas e tênis legais, pois não queria que ela se sentisse inferior perante a suas coleguinhas da classe. Quando ela não conseguia alguma coisa comigo, ela pedia para minhas outras irmãs que prontamente atendiam o seu pedido.

Com quatorze anos ensinamos ela dirigir e modéstia a parte ela dirige melhor do que os quatro irmãos juntos.

Aos quinze nos reunimos, fizemos uma vaquinha e organizamos uma festa de quinze
anos maravilhosa. Uma festa completa, como manda o figurino: 15 casais, valsa, dois vestidos, sendo um para receber os convidados e outro o outro para dançar a valsa. Toda decoração foi rosa. Nossa princesinha estava linda e feliz e nós: minha mãe e meus irmão estávamos em êxtase em poder proporcionar uma festa tão linda a nossa garotinha.

Psicologicamente falando é possível que tardiamente eu, a Renata e a Ana tenhamos realizado nossos sonhos de debutantes através da festa da Naty. De qualquer forma, a festa de quinze anos foi um desejo da Naty, ela sonhou e desejou muito esta festa. Em nenhum momento foi algo imposto pela família. Nós apenas realizamos seu sonho de menina e debutante. Vale ressaltar que somente a Naty teve a oportunidade de comemorar seus aniversários em Buffet.

Na verdade, ela não passou as dificuldades financeiras que enfrentamos em nossa infância e adolescência. Ela nasceu em outra época, em um momento melhor em todos os aspectos, por este motivo não acho justo que ela sofra privações. Que bom que não somos pessoas amargas. Conheço muitas pessoas que passaram dificuldades e por este motivo não acham justo que os filhos ou parentes tenham acesso facilmente ao que não tiveram. Eu particularmente não concordo com isso. Com muito esforço paguei minha faculdade e tenho orgulho disso, mas se um dia a Naty quiser estudar, com certeza vou ajudá-la a pagar seus estudos.

Aliás, este é um ponto importante e é inevitável evitar comparações. Eu sempre tive vontade de estudar, sem exagero meu sonho era entrar na faculdade e me formar, mas somente realizei este sonho após conseguir um emprego decente. Caso a Naty tivesse essa mesma vontade ou pelo menos 1/3 desta vontade com certeza nós pagaríamos a faculdade para ela.

Ela simplesmente não tem vontade ou inspiração para iniciar uma faculdade. Marquei várias entrevistas de emprego, inclusive no segmento bancário, mas ela não demonstra interesse, garra e ambição para conquistar a vaga e a consequência disso é que ou falta na entrevista ou é reprovada no processo seletivo. Ela já pensou fazer faculdade de gastronomia, mas também não demonstrou interesse em pesquisar detalhadamente sobre o assunto. Imagino que para ser um bom profissional em gastronomia é necessário conhecer culturas, idiomas, além de receitas e especiarias. Sem o interesse e busca de conhecimento constante acho bom nem começar nesta profissão.


Ela pensou em fazer turismo, mas também a vontade passou rápido e o projeto não foi levado a diante. Recentemente minha mãe pagou um curso de comissária de bordo, diga-se de passagem um curso caro e difícil. Ela concluiu o curso, porém foi não conseguiu o diploma, pois não foi conseguiu a média nas provas finais. Embora ela tenha todo o tempo do mundo para estudar até porque não trabalha, ela não conseguiu tirar boas notas nas provas. Fiquei chateada, mas não cobrei nada afinal de contas quem sou eu para cobrar alguma coisa. Como ela tem 20 anos, sente-se cobrada, exigida, pressionada, mas se cobro algo é para o próprio bem dela. Como estou no mercado de trabalho desde os meus 13 anos posso afirmar que além de ser difícil conquistar um bom emprego o desafio de manter-se empregado é maior ainda, ou seja, o quanto antes o jovem começa a estudar e a trabalhar mais fácil será para galgar os degraus de uma sólida carreira profissional. Não dá mais para ” ficar sentado no sofá com a boca escancarada cheia de dentes” esperando cair do céu uma vocação/inspiração profissional ou ainda uma vaga de emprego.

Ocorre que eu me preocupo demais com o futuro dela, principalmente porque gostaria que ela se tornasse uma pessoa independente e tivesse uma formação profissional. O que há demais nisso? Acho que é o mínimo que uma irmã ou uma mãe podem exigir de um filho!?

Acho importante mencionar sobre o nossa família, bem como descrever sobre nossas vidas, pois minha intenção com isso é demonstrar que somos uma família considerada estruturada e normal, que não sofremos grandes traumas, pelo menos aparentemente.

Enfrentamos muitas dificuldades financeiras, mas em momento algum perdemos nossa dignidade, respeito e vontade de crescer espiritualmente, moralmente e financeiramente. Hoje, somos uma família de classe média, com um bom nível de escolaridade, acreditamos em Deus e nos amamos acima de tudo. Mas o que interessa é que ser da classe A, B ou Z não significa muito coisa, pois eu senti na pele que classe social não define opção sexual; religião não define opção sexual, educação não define opção sexual nem tampouco o amor dado ao filho define sua opção sexual. Se todos esses critérios definissem a opção sexual acredito que a Naty seria heterossexual, pois ela teve todo amor do mundo da minha mãe e dos irmãos, desde criança teve liberdade para expressar suas idéias e desejos, não sofreu abandono, não sofreu rejeição, teve apoio, carinho, conforto e educação. Além disso teve forte influência religiosa, pois minha mãe e minhas duas irmãs são evangélicas fervorosas. Frequentam assiduamente os cultos, são batizadas e seguem os preceitos da religião de uma forma bonita e com extrema dedicação.

Em minha opinião, os evangélicos abordam fortemente a questão do pecado X inferno e com a minha mãe não é diferente. Além do seu sofrimento sem medida, imaginem a sua dificuldade em aceitar sem ressalvas sua filhinha querida e ao mesmo tempo lidar com o forte conflito religioso, espiritual e moral.

Onde minha mãe errou? Onde nós irmãos erramos? Não questiono meu padrasto, pois ele não faz parte da minha vida, mas me questiono diariamente ou sem exagero me questiono a cada segundo: Onde erramos? Onde errei?

Desculpe-me se passo a impressão de preconceituosa, mas me reservo o direito de não aceitar essa situação, pelo menos em meu íntimo.

Coragem ou Frieza: O “Comunicado”.

Primeiramente ela comunicou a minhas duas irmãs mais novas, em seguida ao irmão e a minha mãe. Após 6 meses da divulgação para a família, eu fui a última a saber. O dia do comunicado, jamais esquecerei: 01.01.2009! Imaginem como eu comecei meu ano? Imaginem começar o ano com uma notícia bombástica como essa!

Eu fiquei paralisada, inerte, petrificada e ainda fiquei sem falar e sem me comunicar por duas semanas. Para piorar a situação parei de respirar e tive uma das piores crises asmáticas da minha vida. Fui parar no hospital e por mais forte que fosse o medicamento, nada fazia efeito. Para mim, mais nada fazia sentido e daí eu parei de dormir. Passava as madrugadas em claro, chorando e conversando com Deus.

Um ponto importante ao qual me chama atenção é a forma como a Naty declarou a sua opção sexual a família. Em nenhum momento ela demonstrou dúvida ou questionamentos sobre sua escolha. Ela foi clara, objetiva e decidida. Na verdade ela não pediu nossa opinião, ela simplesmente nos comunicou e nós não tivemos chances nem de questioná-la.

Ela fez uma tatuagem no pulso com o nome da namorada, passava literalmente 24 horas grudada com a menina e nós ficamos assistindo a tudo estarrecidos com a situação.

Se minha família tivesse sido negligente ou violenta com ela talvez sua atitude fria e calculista tivesse justificativa, mas repito: Ela sempre foi tratada com muito amor, apoio e carinho. Minha mãe foi melhor com ela do que com os demais filhos. Minha mãe é um amor de pessoa, boazinha, carinhosa, amiga, religiosa e querida por todos.

Vocês não tem idéia do que é presenciar o sofrimento da minha mãe. Toda sua alegria e disposição foi por água abaixo. Quando ela soube da opção sexual da Naty ela se entregou ao choro, ao desespero e a Deus. Andava pelas ruas, pelos bairros durante horas sem rumo e sem paradeiro. Ficou semanas caminhando pelos bairros da Zona Norte sem destino, igual um andarilho. Entregou-se ainda mais a religião, fez jejum, chorou e caiu fortemente em depressão.

A impressão que eu tenho é que em nenhum momento a Naty pensou no sofrimento que nos causou. Sério eu ainda questiono tamanha frieza, pois eu não teria coragem para magoar tantas pessoas queridas ao mesmo tempo. Aliás, coragem é uma palavra que merece reflexão.

Em nenhum momento a Naty teve vergonha de encarar a família, os parentes, os vizinhos, etc. Ela encarou todo mundo com a maior cara de pau e inclusive logo em seguida sua namorada passou praticamente a morar em nossa casa. Ficamos em estado de choque com a notícia e ainda fomos obrigados a conviver com as duas diariamente, inclusive sábados, domingos e feriados. Sinceramente, essa situação beirou a maldade. Nós ficamos com receio de perder nossa identidade e a marca de família feliz.


Quando a minha mãe retomou a consciência ela proibiu a entrada da “namorada” Melissa em casa e por este motivo a Naty decidiu sair de casa. Foi morar com a Melissa em uma casa praticamente abandonada em condições deploráveis. Minha mãe não se opôs, mas novamente seu coração foi ferido com um punhal. Ver sua filha querida sair de casa nessa situação talvez tenha sido um dos piores sofrimentos enfrentados em toda sua vida. Felizmente essa desastrosa aventura durou apenas 4 meses e a Naty voltou para a casa e claro foi recebida de braços abertos por todos nós. Aliás entre nós comemoramos e ficamos muito felizes com a volta da nossa irmãzinha para casa.


O término do relacionamento Naty e Melissa

A Naty voltou para casa por livre e espontânea vontade, porém o relacionamento das duas entrou em crise. Uma crise que persistiu por aproximadamente 6 meses e que mais uma vez testou até as últimas conseqüências minha família, especialmente eu e a minha mãe.

A Naty vivia chorando pelos cantos da casa, saia várias vezes durante o dia atrás da Melissa, muitas vezes até de madrugada. Ela sofreu uma decepção muito grande neste relacionamento somado a rejeição e traições. Quanto mais coisas ela descobria sobre sua namorada, mais ela se entregava ao sofrimento e começou a definhar. Parou de comer e passava a maior parte do dia na cama sem forças para levantar e enfrentar a vida. Emagreceu muito, mas mesmo assim continuou bonita.

Aliás beleza é um ponto que vale a pena ser discutido. O que é beleza? O que significa ser bonita? Digo isso porque embora eu seja nova, moderna e liberal eu me surpreendi muito quando soube da verdade. Não imaginava que uma adolescente bonita, alta, magra, delicada, feminina e diga-se de passagem, sem celulite se torna lésbica/SAPATÃO! Sei lá a realidade do lesbianismo estava muito distante de mim e com certeza da minha família. Para mim, as lésbicas eram mulheres amargas, desengonçadas, masculinizadas, traumatizadas, feias, gordas, enfim no sentido literal da palavra: SAPATÃO! E daí de repente nos deparamos com a concretização de uma lésbica totalmente diferente de um SAPATÃO e o pior: nossa irmã, minha irmã, a filha querida e amada!


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