segunda-feira, 12 de julho de 2010

01/07/2010 - Porque sou a favor do casamento homossexual - Por Dr. Luiz Mott


 
01/07/2010 - Porque sou a favor do casamento homossexual
Por Dr. Luiz Mott

O objetivo deste artigo é enumerar 10 razões que justificam minha convicção de que a legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo representa uma conquista importantíssima para a liberação homossexual, uma verdadeira revolução politicamente correta que deve ser abraçada por todos quantos defendam um mundo igualitário regido pelo amor e não pelo ódio. Por enquanto contento-me com a legalização do contrato de união civil ou da parceria civil registrada, conforme nossos deputados consideram que é o mais aceitável para ser hoje  aprovado pelo Congresso Nacional. Considero importante, crucial e indispensável a aprovação do projeto da Deputada Marta Suplicy, mas a meu ver, não passa de um migalha do que nós, homossexuais, temos direito e que daqui a alguns anos, será por todos reconhecidos: o direito absolutamente igual de todos os cidadãos, inclusive dos gays e lésbicas, de se unirem em matrimônio. Eis, portanto, nosso decálogo a favor do casamento homossexual:


1-  Nenhuma lei pode discriminar os homossexuais:  se a Constituição Federal  garante que somos todos iguais perante a lei, sem distinção de sexo, cor, raça, etc., porque só pessoas do sexo diferente podem legalizar sua união civil? Não existe nenhuma explicação racional que justifique a proibição do casamento entre dois homens ou duas mulheres : só o preconceito e a ignorância impedem o acesso dos homossexuais a esta instituição. A lei deve ser igual em tudo para todos, caso contrário, voltamos à barbárie, onde negros, mulheres, judeus, homossexuais eram tratados como criaturas de segunda categoria. Você não concorda?!


2- O exemplo dos países mais modernos: nossos modelos culturais devem ser aqueles países onde os direitos humanos são mais respeitados, onde gays e lésbicas são cidadãos plenos. A Dinamarca foi o primeiro país a legalizar a união entre  pessoas do mesmo sexo; na Suécia os homossexuais podem registrar no cartório um contrato de união civil, adquirindo praticamente os mesmo direitos que os casais do sexo oposto. Atualmente, três países já aprovaram o casamento homossexual: Holanda, Bélgica e Espanha. Cuba, Irã e Iraque certamente jamais aceitarão este avanço nos direitos humanos dos países do primeiro mundo. Você decide de que lado ficar: ser preso pelo crime de homossexualismo no Irã ou casar-se em Amsterdã. Depende de nós pressionarmos os legisladores a fim de aproximar o Brasil dos padrões modernos de cidadania, concedendo a todos, independentemente do sexo a igualdade de direitos civis, inclusive ao casamento.


3- Uma instituiçÃo praticamente universal: agora falo como Doutor em Antropologia: centenas de sociedades, nos cinco continentes, ainda hoje reconhecem, ou reconheceram no passado, a legitimidade da união conjugal entre pessoas do mesmo sexo. Na África, inúmeras tribos permitem o casamento entre mulheres; entre os índios Tupinambá, desde a época da descoberta, há registro de mulheres que viviam como se fossem casal; os "berdaches" (índios travestis) da América do Norte eram disputadíssimos como esposas; o "Batalhão dos Amantes" de Esparta era todo ele constituído de 'pares" (por que não falar "casais") homossexuais. Enfim: não faltam exemplos etnográficos comprovando que o casamento de homens entre si, ou de mulheres entre si, é um traço cultural comum a todas as raças e etnias.


4- Um costume ANTIQÜÍSSIMO: Goethe costumava dizer que a "homossexualidade é tão antiga quanto a própria humanidade". Parafraseio eu: o casamento homossexual é quase tão antigo quanto  a própria humanidade, tanto que a primeira referência  histórica ao homoerotismo liga-se ao casal divino: os deuses Horus e Seth, que viviam como se casados fossem. Entre os Hititas, há quase 4 mil anos passados, havia uma lei que autorizava o casamento entre dois homens. O historiador Boswell, da Universidade da Califórnia descobriu que os rituais de benção matrimonial na igreja católica entre dois homens é anterior à cerimônia matrimonial heterossexual. Portanto o casamento homossexual não é novidade do primeiro mundo: trata-se   de uma tradição  antiqüíssima, tão ancestral  quanto a democracia e a própria homossexualidade.


5- Uma aspiração de muitas lésbicas e gays: com certeza não sou o único gay a defender a legalização das uniões entre homossexuais. Contam-se aos milhares os pares do mesmo sexo que procuram uma autoridade civil ou religiosa, ou realizam algum tipo de cerimônia para demonstrar publicamente que a partir de então passam a constituir um casal ("caso",  "casal", "acasalamento", "casamento", são derivados de "casa" = lar, família). No Brasil há  registros de diversas travestis e lésbicas que forjaram documentos falsos e fingindo-se do sexo oposto, chegando a casar-se oficialmente: ao serem desmascarados, sofreram sanções penais. Se  o desejo de casar-se não é um delito , e se muitos gays e lésbicas desejam ardorosamente unir-se matrimonialmente, só o preconceito heterossexista  impede a realização deste sonho.


6- Com as BÊNÇÃOS de Deus:  o argumento de que defender o casamento gay provocaria grande indignação da igreja católica não deve ser supervalorizada pois o Papa Pio IX condenou violentamente todos que apoiassem o casamento civil, e a igreja perdeu esta batalha, como também teve de engolir o divórcio e nos próximos anos acabará por aceitar a homossexualidade , o fim do celibato do clero e até o aborto: Santo Agostinho defendia que a alma só entra no feto a partir do terceiro mês... Nos Estados Unidos e Europa padres e pastores já abençoaram milhares de casamentos homossexuais; no Brasil, alguns terreiros de Umbanda também realizaram cerimônias unindo matrimonialmente gays e lésbicas. O GGB traduziu um manual inglês para cerimônias de casamento entre homossexuais; os interessados que se candidatem!


7- Estratégia Anti-aids: embora o casamento não signifique necessariamente fidelidade conjugal, este poderia ser um argumento do movimento gay para sensibilizar a opinião pública: legalizando-se a união entre homossexuais, certamente haveria mais gays monogâmicos, com menor número de parceiros e menor rotatividade sexual,  auxiliando desta forma no controle da expansão do vírus da AIDS. E de fato, a experiência comprova que os "casos" homossexuais têm maior preocupação em só praticar sexo sem risco exatamente para evitar a contaminação do parceiro, quando menos para não ser prova material de uma infidelidade conjugal. Com o surgimento da AIDS o número de casais homossexuais fixos aumentou sensivelmente em todo o mundo.


8- Segurança Social e Legal: o reconhecimento legal do casamento entre homossexuais representaria uma garantia recíproca para o casal idêntica aos benefícios do matrimônio heterossexual; benefícios do INSS, direito à seguridade social do parceiro , acesso a empréstimos conjunto, direito a heranças, etc. Quantos não são os "viúvos gays e viúvas lésbicas" que ao morrer o parceiro, são despejados do imóvel comum, sem nenhuma possibilidade de recorrer à justiça. E já temos precedentes jurídicos para tal reconhecimento: o caso do pintor Guinle ganhou na justiça o direito à herança, apesar da tirânica oposição da "sogra despeitada". Se também às concubinas são garantidos direitos legais, por que não aos casais de lésbicas e gays? A Itália já estuda a possibilidade do reconhecimento destes direitos. Bravo!


9- Aumento da Respeitabilidade da Homossexualidade:  legalizando-se a união entre homossexuais, estaremos contribuindo decisivamente para destruir a imagem preconceituosa de que todo gay é promíscuo e incapaz de um amor verdadeiro e altruísta. A inclusão de um parágrafo sobre casamento homossexual dentro das leis brasileiras e a simples participação de homossexuais assumidos em celebrações civis auxiliaria a quebrar este tabu e a  ideologia homofóbica que ainda imagina que os gays são ridículos, caricatos ou desprezíveis. Legalizar o casamento homossexual é portanto um passo importantíssimo para a maior visibilidade e respeito aos direitos de cidadania dos gays e lésbicas. Negar esta evidência equivale a continuarmos na gaveta.


10- O Direito a Fantasia: apesar de reconhecemos que em muitas partes do mundo o casamento tradicional esteja em crise, nada  dá o direito a ninguém de impedir às pessoas que querem se "enforcar"com os laços do matrimonio. Para milhões de seres humanos, o casamento tradicional, agora modernizado pela legalização do divórcio, é uma fonte de grande felicidade, amor recíproco, segurança emocional e material, etc. Por que negar aos gays e lésbicas tentarem a sorte nesta loteria? Quem somos nós para impedir aos homossexuais a fantasia de serem mais felizes unindo-se "de papel passado"?! Não custa nada tentar : se o movimento gay e lésbico brasileiro conseguir a aprovação do casamento homossexual, só a experiência e o passar dos anos mostrará quem estava certo nesta polêmica questão. Se provar que sua legalização foi um equívoco, lá estarão os novos militantes para anular esta lei. Negar esta experiência, sem tê-la oficializado, é intolerância, preconceito e discriminação.


Estes 10 argumentos comprovam que a razão está do nosso lado. Aos que contestam compete o ônus da contraprova. Felicidade aos pombinhos..." 

*Texto originalmente publicado no Jornal Nós Por Exemplo, RJ, em 1995
** Luiz Mott é doutor em antropologia pela Sorbonne - França, decano do Movimento Gay Brasileiro e fundador do Grupo Gay da Bahia - GGB