quinta-feira, 9 de setembro de 2010

A Bíblia e a Homossexualidade

Segunda-feira, 06 de setembro de 2010, 10h47m

A Bíblia e a Homossexualidade

Silvanio Coelho Mota, é licenciado em História, graduando em Direito e presidente da Associação Grupo Ipê Amarelo Pela Livre Orientação Sexual – GIAMA, agnóstico, militante dos direitos humanos.

Silvanio Coelho Mota, discorre em seu artigo sobre as relações entre a trilogia: homossexualidade-família-Igreja

 

Orações para Bobby [Prayers for Bobby] não é um filme de final feliz, mas mostra que depois do final infeliz pode haver um recomeço. Mesmo que ele seja duro, angustiado e cheio de culpas nos questionamentos sociais e religiosos quanto à homossexualidade. O filme é também uma história sobre o amor materno. E nesta relação maternal está Bobby Griffith e Mary Griffith, interpretados pelos atores Ryan Kelley, 22, e Sigourney Weaver, 59. O filme foi baseado no livro homônimo publicado pelo jornalista Leroy Aarons, em 1995, que é fundador do National Lesbian and Gay Journalists Association. O filme foi exibido pela TV americana. Desde então, abre a discussão na trilogia homossexualidade-família-Igreja.

É um filme intenso, dramático e ao mesmo tempo feliz. Estrelado por Sigouverny Weaver, o filme narra a história da família Griffith, protestante, puritana e feliz. Feliz até que Mary Griffith, a matriarca interpretada por Weaver descobre que o filho Bobby (Ryan Kelley), de 16 anos, é gay. A partir desse momento Mary começa a atormentar o filho com os desídios da Bíblia. Quando o jovem acordava, lá estava um recado escrito numa folha de papel com passagens da Bíblia, espalhados pela casa: pecado, morte, pecado, pecado... Ela acreditava que Deus curaria seu querido filho daquele grande mau.

O tempo foi se passando e Bobby, um filho exemplar, estudioso, querido e amado por todos, não se curou. Alertada pela Igreja que os Griffith freqüentavam, que aquilo era pecado, Mary renunciou ao filho: disse-lhe adeus, nunca mais queria vê-lo, apesar de amá-lo. Inconformado, triste, destruído e com um amor não correspondido, Bobby, aos 20 anos, se jogou de cima de uma ponte e foi esmagado por um caminhão de 18 rodas. O restante da história mostra uma Mary que aos poucos vai percebendo da rudeza com que tratou o filho, porém, tarde demais. Na agenda do filho, Mary leu: "Eu não posso deixar que ninguém saiba que eu não sou hétero. Isso seria tão humilhante. Meus amigos iriam me odiar, com certeza. Eles poderiam até me bater. Na minha família, já ouvi várias vezes eles falando que odeiam os gays, que Deus odeia os gays também. Isso realmente me apavora quando escuto minha família falando desse jeito, porque eles estão realmente falando de mim. Às vezes eu gostaria de desaparecer da face da terra".

A história de Bobby é uma história real. E acontece todo dia, com vários jovens homossexuais que, temendo a família, Deus, a religião e os amigos, num ato desesperado, geralmente acabam dando cabo da própria vida. É muita pressão. Nesse sentido é sempre salutar perguntar: mas o que diz realmente a Bíblia sobre a homossexualidade?

Daniel Helminiak, que foi padre por 28 anos, PhD em Teologia Sistemática pelo Boston College e em Psicologia Educacional pela Universidade do Texas, autor da obra "O que a Bíblia realmente diz sobre a homossexualidade"(Summus/Edições GLS, 1998), diz que tudo depende de como se lê a Bíblia. Que há duas maneiras: uma que é a leitura literal (usada pela maioria das religiões) e uma outra intitulada de "leitura histórico-crítica". Aduz o estudioso que é importante prestar atenção às diversas formas de se ler um texto, especialmente quando lidamos com textos antigos como a Bíblia. As palavras podem ter um determinado significado para nós hoje e, na época das pessoas que as escreveram, seu significado ter sido totalmente diferente. É o caso, por exemplo, da passagem de Jesus descrita em três dos Evangelhos – Mateus 19:24, Marcos 10:25 e Lucas 18:25 – Jesus diz: "É mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no reino de Deus." Parece que ninguém com muito dinheiro jamais poderá entrar no paraíso, posto que nenhum camelo jamais passará através do buraco de uma agulha. Pelo menos é isso o que a passagem nos indica.

Mas alguns estudiosos afirmam que em Jerusalém havia um portão muito baixo e estreito nas paredes da cidade. Quando uma caravana entrava por aquele portão, os camelos tinham de ser descarregados e passar pelo portão de joelhos, para serem novamente carregados do lado de dentro. Aquele portão chamava-se "o buraco da agulha".

Considerações dessa ordem se aplicam também aos textos bíblicos que tratam da homossexualidade.

Estudo científico da sexualidade teve início a cerca de um século. Para Helminick, a homossexualidade é um dos aspectos básicos da personalidade, provavelmente fixado na primeira infância, e afeta uma parcela significativa da população em praticamente todas as culturas conhecidas. Não há evidências convincentes de que a orientação sexual possa ser mudada, e há prova científica de que a homossexualidade não seja um fenômeno patológico em qualquer das suas formas. O entendimento hoje é de que a homossexualidade seja tão natural como a heterossexualidade. Ninguém opta ser homossexual, assim como ninguém opta ser heterossexual. São todos criação de Deus (na visão dos não ateus). E se Deus é por nós, quem será contra nós? A resposta: os fundamentalistas, os mesmos que só lêem a Bíblia na visão literal.

Continua ainda o magistral padre Helminick: A história de Sodoma é provavelmente a mais famosa passagem bíblica que trata da homossexualidade, ou pelo menos é considerada como tal. Ela está no livro do Gênesis, capítulo 19, versículos de 1 a 11.

Até mesmo Jesus entendia o pecado de Sodoma como o da falta de hospitalidade (Mateus 10:5-15). Outras passagens da Bíblia afirmam a mesma coisa de maneira bastante clara. Há outras referências bíblicas menos diretas a Sodoma: Isaías 1:10-17 e 3:9, Jeremias 23:14 e Sofonias 2:8-11. Os pecados listados nestas citações são a injustiça, a opressão, a parcialidade, o adultério, as mentiras e o encorajamento dos pecadores. Ainda assim, as pessoas continuam a citar a história de Sodoma para condenar aqueles que são gays e lésbicas.

Há uma triste ironia acerca da história de Sodoma quando compreendida à luz de seu próprio contexto histórico. As pessoas atacam homens e mulheres homossexuais porque eles são diferentes, esquisitos, estranhos. Lésbicas e gays não se encaixam em nossa sociedade, fazendo-se com que eles permaneçam estranhos, estrangeiros. São deserdados por suas próprias famílias, separados de seus filhos, despedidos de seus empregos, despejados de imóveis e expulsos de bairros, insultados por personalidades públicas, espancados e assassinados nas ruas. Tudo isto é feito em nome da religião e da suposta moralidade judaico-cristã.

Esta opressão é o próprio pecado do qual o povo de Sodoma foi culpado. É exatamente este o comportamento que a Bíblia condena repetidas vezes. Portanto, aqueles que oprimem os homossexuais devido ao suposto "pecado de Sodoma" podem ser eles próprios os verdadeiros "sodomitas" tal como a Bíblia os entende.

O que mais os evangélicos fundamentalistas (não são maioria) insistem é no clichê de que Deus abomina o pecado, mas ama o pecador. Ora, nessa visão, o pecado é simplesmente o amor entre duas pessoas do mesmo sexo e principalmente o coito anal. Mas ora, sexo anal também não é praticado pelos casais héteros? quiçá muitos deles também não sejam evangélicos ou católicos? Isso nos põe a pensar, portanto refletir, que os religiosos precisam se ater a um estudo mais elaborado, histórico-crítico das passagens da Bíblia, que conceituadamente são muitas delas parábolas que evidenciavam costumes, crenças e paixões de uma época distante. Em João 8:23, Jesus diz: "a verdade vos libertará", precisamos de mais verdades nos ensinamentos púlpitos de pastores, padres e clérigos. Fomentar um ensinamento odioso traz morte e desespero, não foi isso que Cristo ensinou. Lutemos para que todos possam professar sua fé, no entanto sem molestar o próximo. Que possamos ter Jesus como exemplo. Na última noite que Jesus passou com os seus discípulos, antes de ser preso, julgado e morto, Ele deu aos discípulos um importante mandamento:

"O meu mandamento é este: que vos ameis uns aos outros, assim como eu vos amei". (Jo 15.12).

Obra referência:
HELMINIAK
, A. Daniel. O que a Bíblia realmente diz sobre a homossexualidade. Summus/Edições GLS, São Paulo, 1998.

Silvanio Coelho Mota, é licenciado em História, graduando em Direito e presidente da Associação Grupo Ipê Amarelo Pela Livre Orientação Sexual – GIAMA, agnóstico, militante dos direitos humanos.